25. o encontro (pt. III)

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AMY 

— Amy!

Ela ignorou a voz de Damian e correu para longe do gramado bem aparado da mansão, das risadas na piscina e dos olhos frios de Esther Thomas. Amy correu, mas não foi longe. Com os pulmões queimando e a garganta fechada pelo choro, ela parou e olhou em volta. A rua era uma grande fileira de mansões idênticas com pinturas perfeitas, colunas imponentes e carros importados estacionados nas garagens de porta branca. Toda aquela artificialidade sufocava, trazia a lembrança do olhar de asco da avó ainda na Escócia.

Amy estava tão absorvida pela ideia de ter enfrentado um oceano e uma fronteira para morrer aos pés de seu objetivo que mal percebeu os sons de passos atrás de si. Não importava mais. Ela havia perdido, decepcionado os amigos e os professores que, mesmo de longe, acreditaram nela.

— Cara, essas suas perninhas magricelas correm pra caramba...

Quando Amy se virou, encontrou Damian com as mãos — inclusive a engessada — apoiadas nos joelhos e o corpo curvado. O resto do grupo estava ali, ofegante pela corrida, todos com as sobrancelhas franzidas. É, porra, as coisas meio que não saíram como eu planejei, galera. Quando o olhar de Amy encontrou o de Lara, as lágrimas desceram com mais força.

Lara segurava Alessia no colo com o braço esquerdo, colando a caçula a seu corpo, e trazia Giorgia, mais alta do que a irmã, pela mão direita. Amy sentiu inveja daquilo, de como Alessia atirava os bracinhos ao redor do pescoço da mãe, do abraço firme de Lara. Tinha inveja daquelas garotinhas que possuíam alguém que as amava mais do que tudo, que podiam correr para a mãe se as coisas dessem errado.

Amy engoliu em seco, fungando. Está tudo errado, porra. Tudo errado.

Damian endireitou a postura, respirando com dificuldade. O grupo ficou em silêncio naquele subúrbio onde tudo era perfeito demais.

— Respira, ok? — disse Damian, encarando-a como se ela fosse uma bomba-relógio prestes a explodir. Sem graça, ele coçou a cabeça com os dedos da mão engessada. — Olha, eu sei que...

— Você sabe?! — retrucou ela, a voz esganiçando-se. As lágrimas embaçavam a visão de Amy, que esfregou os olhos com força. — Como você acha que é cruzar a porra de um oceano só para descobrir que ninguém, que nem mesmo uma pessoa dá a mínima para você? Você não liga, a velha não liga, e adivinha só, cara, todo mundo está pouco se fodendo!

Amy sabia que não deveria falar palavrões na frente das crianças, mas estava tão desnorteada, tão sem chão e furiosa que não conseguia conservar as boas maneiras. Seu mundo havia desabado em questão de horas, e ninguém ligava, ninguém se importava. Amy não podia abraçar a mãe, havia decepcionado os amigos e, para coroar, descobrira que a avó era uma megera sem coração. Em resumo, Amy só tinha a seu lado aquele rímel à prova d'água que não saía nem com muita força de vontade. Ela fungou, esfregando o nariz na manga da camiseta.

— A única pessoa que se importava está morta — murmurou ela, encarando Damian. — Como você acha que é receber uma ligação no meio da noite dizendo que a única pessoa que se importava com você derrapou na pista, enfiou o carro num caminhão e está morta? Não diga que você sabe. Você nunca vai saber.

Era uma noite de chuva forte, dessas que ninguém deveria sair de casa. Amy se lembrava de assistir a um reality show bobo na televisão, jogada no sofá da sala, quando a mãe surgiu do porão, usando o macacão manchado de tinta e a faixa colorida prendendo os cabelos loiros. "Acabou minha tinta azul. Vou até a cidade comprar mais antes que a loja feche", dissera ela. A mãe pegou as chaves do carro — coisa que nunca fazia, porque tinha paixão por andar —, e enfiou os documentos na bolsa. Amy não contestou. Quando a mãe queria alguma coisa, nem o Papa em pessoa era capaz de fazê-la mudar de ideia.

Sete Lugares | ✓Where stories live. Discover now