36. destino: final

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AMY

A mensagem de Tommy, lembrando que se encontrariam depois de amanhã para ensaiar para a próxima fase da competição, trouxe imediatamente um sorriso ao rosto de Amy. De pé, próxima à janela, ela digitou uma resposta aos amigos e enfiou o celular no bolso, virando o rosto para a cena que se desenrolava no apartamento.

A noite mal caíra e todos já estavam lá, cada qual ocupado com uma tarefa específica do jantar de volta ao lar. Will arrumava a mesa, ajeitando cada talher, prato e guardanapo em seu devido lugar. Na cozinha enxuta, Damian e Lara dividiam as tarefas, checando o assado e lavando a louça, rindo de alguma piada que só eles entendiam. No sofá, Giorgia e Maria jogavam videogame, gritando para os carrinhos enquanto Alessia torcia para a tia e a irmã ao mesmo tempo. Amy sorriu sem graça, cruzando os braços para a cena tão... família.

Ela morava com Damian, seu pai — por mais estranho que o título parecesse — há dois meses, mas vez ou outra sentia-se como uma estranha em meio a toda aquela felicidade. Na Escócia, apenas ela e a mãe dividiam a casa, sem amigos — exceto Marlene — ou família. Apenas as duas era o suficiente para encher o coração de Amy de alegria. Por mais que adorasse a companhia da família que haviam criado na minivan, vez ou outra, quando a saudade da mãe ficava insuportável, ela sentia que não pertencia àquele lugar.

Envergonhada pelos pensamentos sem sentido, Amy baixou o rosto e rumou silenciosamente para o quarto, determinada a organizar as ideias e rever a fotografia da mãe que tinha presa à parede. Amy fechou a porta do escritório-barra-quarto-de-hóspedes, e deu uma boa olhada no cômodo que não se parecia com um quarto, apesar da cama, de uma cômoda maciça e da parede repleta de fotografias que ela pendurou ao longo dos meses.

Mesmo morando ali há dois meses, Amy não possuia muitas coisas para chamar de suas. A maioria das roupas e pertences ainda estavam na Escócia, o que deixava o quarto um pouco mais vazio do que ela gostaria. Marlene enviou algumas roupas pelo correio, mas Amy, enrolada com a espera da cidadania americana, não via a hora de voltar à Escócia para pegar o que faltava de seus pertences, roupas e, principalmente, seus CDs de Tchaikovsky. Se ao menos o governo fosse um pouco mais rápido...

Reconhecer a paternidade dela estava se tornando um parto. Os doutores coletaram tanto material genético dela e de Damian que seriam capazes de povoar uma ilha no meio do Pacífico apenas com clones dos dois. Pela conversa dos agentes — sabe como é, precisamos avaliar cada pedido com cautela por conta das fraudes e... — Amy desconfiava que levaria, pelo menos, alguns meses antes de receber a cidadania americana para voltar à Escócia, pegar o resto de suas roupas e dar um abraço em Marlene.

Amy sentou-se na cama desarrumada e virou o rosto para a parede, franzindo o cenho. Todas as fotografias estavam ali: ela sorrindo entre Giorgia e Alessia, Will e Damian usando a galinha de papelão do Barley's na cabeça, ela abraçando Lara no parque, Maria e ela fazendo caretas para câmera, ela abraçada à tia, Grace, quando se conheceram, e ela com os amigos, da última vez em que se encontraram. No centro de tudo estava a foto de Damian e sua mãe, abraçados ainda na época da faculdade, mas a segunda fotografia, a que Amy queria, não estava lá.

Será que deixei em algum hotel? O pensamento embrulhou seu estômago.

Ela costumava puxar a fotografia da mochila quando paravam para se lembrar do rosto da mãe. Secretamente, morria de medo de se esquecer de seu rosto, sua risada faceira, seus olhos castanhos amistosos. Nervosa, Amy levantou-se da cama, procurando dentro da mochila, no interior das gavetas e em cima das escrivaninha. Aquela era a única fotografia que não poderia perder. A última fotografia dela e da mãe. É a única fotografia que você não pode refazer.

Sete Lugares | ✓Where stories live. Discover now