14. a dor dos vitoriosos

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WILL

Quando Lara deu a sugestão de parar numa farmácia para comprar analgésicos, Will, ainda zonzo, aceitou de bom grado. O sacolejo da minivan pelas ruazinhas de Dunn intensificavam o zumbido em seus pobres ouvidos, que não viam a hora de se esticar numa cama e dormir no mais tranquilo dos silêncios. Durante o trajeto Will tentou fechar os olhos e tirar uma soneca, relaxando os músculos doloridos no banco de couro, mas havia sempre alguém o cutucando, chamando seu nome e dizendo Você não pode dormir!

Damian girou a chave na ignição e olhou para trás. Sem os óculos Will não conseguia dizer se o amigo estava sorrindo ou não, mas imaginava que sim. Quando queria, Damian se parecia com uma daquelas mães suburbanas que tentam ser agradáveis e perfeitas o tempo inteiro, sorrindo para tudo e todos sem um motivo propriamente dito.

— Vou comprar algumas coisas para o almoço — disse Damian. — Lara vai conseguir os analgésicos para você, amigão.

— Podemos ir com o Sr. Harris, mamma?

A pergunta, feita na vozinha curiosa de Alessia, ficou suspensa dentro da minivan. Lara não entendeu, Damian muito menos. Depois de uma série de recomendações maternais por parte dela — segurem bem a mão do Sr. Harris ao atravessar a rua. Não compre nada para elas, Damian, é sério. Não se afastem do Sr. Harris e não o incomodem — que Will ouviu ao longe, Damian e as garotas saíram do carro e entraram na Target do outro lado da rua.

Após o som de portas abrindo e fechando, Will divisou a silhueta de Lara ajoelhada no banco de trás, ao lado da figura borrada de Maria.

— Como você está, querido? — perguntou ela.

Will, que amava as palavras mais do que tudo, só pensou em uma ao ouvir a voz doce de Lara: instinto. Em cada veia dela corria o mais puro e sincero instinto maternal. Abraçado pelo som de sua voz doce e preocupada, Will relaxou no banco. Com um sorriso torto que repuxava os esparadrapos de seu rosto machucado, ele respondeu:

— Com sono.

— Já vai passar. — Ela sorriu, abrindo uma niqueleira puída e procurando pelas moedas. — Você precisa de algo da farmácia, Mimi?

— Balinhas de framboesa — pediu Maria.

— Só se sobrar — respondeu Lara. — Você vem comigo, Amy?

Will ouviu as portas baterem outra vez, as duas saindo do carro, então, silêncio. O doce e gentil som do silêncio que só uma cidadezinha pequena poderia proporcionar.

Ele fechou os olhos, lembrando-se do cheiro de suor de Rob Filho, os punhos imensos e o vão esquisito que havia entre seus dentes de cavalo premiado. Como alguém conseguia ter mãos daquele tamanho e bater tão forte?

— Cara! — Maria sacudiu seu joelho. Ele abriu o olhos. — Nem pense em dormir. Sério.

Ouvir a voz dela era o mesmo que ser inundado por uma maré de paz. Apesar de Maria soar meio nervosa e preocupada, ele sorriu o máximo que o esparadrapo colado em seu nariz torto permitiu. Will daria tudo para ouvi-la cantar uma daquelas músicas italianas que Maria sempre cantava quando descia para levar o lixo. A voz de Maria era similar à da irmã, porém havia uma sensualidade rouca no timbre de Maria que fazia os pelos da nuca de Will se eriçarem.

Ele se ajeitou no banco e, sorrindo, tornou a fechar os olhos. Gostaria de ouvi-la falar ao pé de seus ouvidos indefinidamente, até o final dos séculos.

— Não estou dormindo — disse Will. — Estou... pensando.

— Essa é a desculpa mais esfarrapada que alguém poderia usar. — Ela riu.

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