20. o karma usa bigodes

3.3K 482 351
                                    

MARIA

Após deixarem o parque dos trailers na manhã seguinte, a viagem seguiu seu curso natural. O sol brilhava sobre o asfalto, e um céu azul e sem nuvens os guiava pela rodovia sem fim.

Maria apoiou as costas na porta do carro, rindo ao observar as sobrinhas contarem uma história sobre o guaxinim que havia dormido embaixo do trailer e comera todas as maçãs. Damian e Lara fizeram perguntas às garotas, rindo quando Alessia e Giorgia usavam os bracinhos magricelas para gesticular o tamanho do guaxinim.

Maria virou o rosto para o fundão da minivan, encontrando brevemente o olhar de Will. Ele fuçava no próprio celular, com os cabelos ruivos espevitados e os esparadrapos — agora limpos e trocados — espalhados pelo rosto de fuinha. Ela sorriu para ele, que corou feito um tomate antes de retribuir o gesto e abaixar a cabeça para a tela do celular.

Ontem à noite, quando voltaram ao lado de fora da Bessie e Maria contou as sujeiras de Gérard, Will quase não falou. Aquele jeito caladão dele, pelo menos por ora, era uma benção. Ajeitando os óculos no rosto e encarando-a com olhos castanhos profundos, Will ouvira em silêncio, assentindo aqui e ali e, raramente, interrompendo com perguntas pertinentes. Mas você tem provas? Você já falou com Lara sobre isso? Will se parecia com um daqueles detetives de seriado de televisão que são gênios por tabela, e Maria ficou grata por ele ter aparecido. Precisaria de toda ajuda que conseguisse para acabar com o cunhado.

Ela suspirou, observando as árvores passarem como borrões na beira da estrada e carretas sujas de lama balançarem entre as pistas da rodovia. Estaria tudo na mais perfeita paz se não fosse por um pequeno e curioso detalhe.

Havia uma aura negra no fundo da minivan e, desta vez, Amy era a culpada. Não compartilhando do clima leve do resto do carro, a garota apertava o celular na mão direita, olhava para fora com olhos arregalados e mordia a unha do polegar esquerdo. Dava para perceber, de longe, que os pensamentos de Amy não estavam ali.

Talvez seja só nervoso para encontrar a avó, pensou Maria, mas no íntimo sabia que havia algo mais, algo que Amy escondia. Era o sentimento se fazendo presente outra vez. Aquela postura não fechava com a da neta que reencontra na avó uma casa, um lar. A intuição de Maria para as merdas da vida nunca falhava.

Nem bem o sentimento se apresentou e a merda foi jogada na cara deles. Damian conversava com Giorgia e Alessia sobre Skittles, Pokémon e Os Padrinhos Mágicos, Lara tentava acompanhar a conversa deles, Will digitava furiosamente no celular e Amy roía as unhas.

Então, em algum lugar da Interestadual 95, no simpático estado da Georgia — O Estado Do Pêssego —, a minivan pifou.

Durou cinco segundos e foi exatamente como se uma banda de heavy metal invadisse uma apresentação de Natal da pré-escola. Ninguém se moveu, ninguém falou. A fumaça branca que se ergueu do capô cinzento estava negra quando pararam no acostamento.

Damian apertou o volante, os olhos azuis injetados. Do banco de trás, Maria percebeu que aquela era a faísca que faltava para o vizinho perder o pouco de controle que havia conquistado nos últimos dias.

Ele disse:

— Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser.

Giorgia e Alessia ficaram em silêncio. Will franziu as sobrancelhas, e o esparadrapo que ela colocara no nariz fino dele na noite anterior repuxou a pele pálida de sua bochecha. Lara esfregou a medalhinha. Amy parecia à beira de uma crise de choro violenta.

Damian foi o primeiro a descer do carro, batendo a porta com um estrondo. O silêncio dentro da minivan se estendeu, acompanhado pelos sons dos carros que se afastavam pela Interestadual. O coração de Maria se comprimiu no peito.

Sete Lugares | ✓Where stories live. Discover now