30. a pior melhor viagem do mundo

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AMY

Na mesa do diner, Amy bocejou, sentindo os calafrios de quem recém acorda tomarem seu corpo. O dia amanhecera mais frio do que o normal por conta da chuva forte, que naquela manhã dera lugar a um céu nublado e sem graça. As mesas engorduradas do diner estavam vazias, mas o zumbido e o cheiro de café dormido e panquecas preenchia cada canto do salão revestido com um papel de parede cafona.

Sem vontade, Will e Maria comiam os restos do bolo que Amy comprara para Lara no dia anterior, simplesmente enfiando os pedaços na boca e mastigando ao som de acordes rápidos de uma rockabilly vinda do velho jukebox empoeirado. Damian tamborilava os dedos na mesa, os olhos perdidos em algum ponto distante no estacionamento. O gesso em seu pulso esquerdo refletia os desenhos infantis e coloridos de Giorgia e Alessia, a garçonete mau humorada esfregava um copo no balcão e ninguém dizia uma só palavra.

Na verdade, ninguém queria dizer coisa alguma.

Lara dormia há dezoito horas seguidas e nenhum deles tinha coragem de subir para acordá-la. Desde que Damian a deixara dormindo no quarto das meninas após o encontro com Gérard, os quatro, Amy, Maria, Will e Damian, ficaram no diner, suspirando e tomando um café atrás do outro até a hora de dormir. Naquela tarde triste, entre um café requentado e outro, Will contara o que havia descoberto com o porteiro.

Não muito tempo depois de começar a trabalhar ali, Gérard virou amante da própria patroa, a ricaça dona da casa. Todos os outros funcionários sabiam, mas ninguém comentava por medo de que o fato chegasse aos ouvidos do marido da mulher, um desses executivos sem expressão que passam mais tempo nos aeroportos do que em casa. O porteiro contou a Will que nunca fora com a cara do motorista, mas que a gota d'água havia sido quando Gérard se envolvera com Greta, a copeira da casa.

Greta traiu John, o porteiro, com Gérard, que se enroscava com ela quando a patroa viajava. Quando Lara e as garotas foram visitar o motorista, John disse que ficou surpreso. Gérard, desde o início, jurava que era solteiro. Inclusive, estava até noivo de Greta há alguns meses. Com a patroa ausente, o porteiro não poderia permitir a entrada de ninguém na casa, mas o fez para se vingar da traição de Greta e daquela pose de garanhão de Gérard.

Ouvir a história não colaborou para animar o clima. Todos na mesa queriam socar as fuças de Gérard, mas estavam mais precoupados com Lara. A tarde silenciosa se transformou numa noite igualmente silenciosa e todos foram dormir com o coração pesado.

Quando amanheceu, voltaram ao diner e tomaram café. Nada era digno de nota sem a presença de Lara e as risadinhas de Giorgia e Alessia. Mesmo sem saber, Gérard havia neutralizado o Efeito Lara e deixado o grupo sem chão. Ninguém tinha vontade de fazer coisa alguma.

A felicidade de Amy ao pisar no palco com os amigos fora tão intensa que ela acreditou que mais nada poderia dar errado no mundo. Na noite do espetáculo, quando foi envolvida pelas luzes do palco, pelos aplausos e pelas notas dos jurados, tudo estava perfeito. Rir com os amigos, comemorar com eles e os professores e fazer planos para a semifinal na mesa do restaurante, entre um refrigerante e outro, fizera tudo valer a pena.

Dormir abraçada a Tommy no quarto hotel — fica comigo só hoje, Pequena. Só Deus sabe quando a gente vai se ver de novo... — também contribuíra para aquele sentimento de invencibilidade que crescia no peito de Amy. Ela havia dançado com os amigos, passado para a semifinal e dormido agarrada ao corpo de Tommy, rindo até de madrugada enquanto mirava seus olhos castanhos brincalhões. Tudo estava perfeito.

Até amanhecer e o marido de Lara estragar tudo, tudo estava perfeito.

Amy apoiou a cabeça nos braços e suspirou, lendo no cardápio engordurado do diner os valores das panquecas e hambúrgueres. Will e Maria comiam os restos do bolo, enfiando os garfos de plástico no glacê da carinha sorridente.

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