16. mudando o passado

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LARA

O salão do café da manhã ficava dentro do chalé-barra-recepção da Sra. Barnes e apresentava uma vista magnífica da piscina. Lara desejou um bom-dia à rechonchuda dona da pousada e se sentou numa das mesas que ficavam próximas às janelas, observando o movimento crescente da piscina. Ela respirou fundo, alegre por sentir o cheiro de café novo, biscoitos amanteigados e bolos de canela que vinham da grande mesa do salão.

Os turistas idosos entravam animados para o desjejum, vestindo shorts, camisetas e viseiras, falando sobre as atividades planejadas para o dia que recém começava. Lara sorriu por cima da xícara de café ao ver uma pequena senhora ficar radiante ao perceber a existência dos bolinhos de canela na mesa repleta de quitutes.

De súbito seus pensamentos se voltaram para Gérard. Ela sorriu outra vez, mordiscando o pequeno biscoito amanteigado. Que grande surpresa ele teria quando visse as filhas ali, a um abraço de distância! Quando Lara pensava que estavam há menos de dez horas de onde ele vivia, não conseguia evitar que um sorriso imenso ganhasse seu rosto. Porque Gérard me ajudará a pagar o aluguel. E a encontrar outro emprego.

A maior preocupação de Lara era pagar o aluguel daquele mês. Atrasar o pagamento estava fora de cogitação.

Tão logo Gérard se mudara para a Flórida, há quatro anos, ela tivera a sorte de encontrar a irmã de Damian nos classificados. Na época, Grace estava de malas prontas para a Itália e precisava alugar o apartamento em que morava o mais rápido possível. Lara, ansiosa por deixar os guetos, sabia que teria de trabalhar o triplo para pagar aluguel, mesmo com Grace sendo gentil o suficiente para abaixar em algumas centenas de dólares o valor, mas não se importou. Se para sair dos guetos precisasse trabalhar o triplo, que fosse.

Ela trabalhava como um cavalo de carga para pagar cada centavo a Grace porque morria de medo de voltar aos guetos, de sentir o cheiro de urina nas escadas, de ouvir os gritos de cafetões e o choro de prostitutas nos corredores pichados. Lara não queria criar as garotas naquele ambiente onde era comum um membro de gangue amanhecer com a garganta cortada e não queria, nunca mais, se esconder das batidas policiais que varriam o prédio. Voltar a morar nos guetos seria seu último recurso.

Mas sem o bico de garçonete no pub talvez seja... necessário. O que Lara ganhava como caixa no mercado do Sr. Mills não seria o suficiente para pagar o aluguel, nem com o salário de Maria. Estavam ferradas.

Lara tentara pedir um aumento o Sr. Mills, mas cada vez que o via, desistia. O dono do mercado, um senhor gorducho que usava suspensórios e sorria mais do que o usual, ultimamente não fazia outra coisa além de se trancar no escritório e revisar as contas.

(Na última vez em que fora pedir um aumento, Lara vira o Sr. Mills debruçado na escrivaninha com o rosto escondido nas mãos e chorando feito um menino. Sem graça, ela saiu antes que ele percebesse sua presença, desistindo do aumento. Depois disso, nunca mais retornou ao escritório dele, mas ouvia seu choro baixinho e engasgado vez ou outra.)

Eu vou dar um jeito. Gérard vai me ajudar. Ela sorriu para uma velhinha simpática e tomou outro gole de café.

O marido entenderia a situação. Gérard sempre fora ótimo em encontrar soluções para problemas de dinheiro. Ele provavelmente beijaria o nariz dela e diria: Não se preocupe, bella! Vamos dar um jeitinho nisso pra já! Lara sorriu, pensando em sua surpresa ao vê-la, ao ver Giorgia e Alessia. Por que a Flórida precisava ficar tão longe?

Lara mastigava um biscoitinho de canela quando Damian desabou na cadeira em frente. Ela estava prestes a articular um bom-dia alegre e sorridente, mas desistiu ao ver a expressão do vizinho.

Sete Lugares | ✓Where stories live. Discover now