29. revelações e meias coloridas

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DAMIAN

O sol escaldante deu lugar a um céu carregado e de clima abafado que prometia chuva, mas Damian permaneceu do lado de fora do carro. Encostado na minivan, ele esperava, olhando para os belos portões da mansão e pensando se Amy e as garotas demorariam muito para comprar a maldita Coca-Cola. Lara em breve voltaria com o marido, e o cara por certo estranharia a ausência das meninas. Que merda. Eu deveria ter esperado eles voltarem para ter deixado as garotas irem.

Ele suspirou quando crianças rodearam a rua em bicicletas novinhas, sumindo entre as mansões com risadinhas infantis. Uma música clássica e alegre veio de alguma janela aberta, e Damian sorriu ao pensar na apresentação de Amy no teatro.

Era incrível o quão parecida com a mãe aquela garota conseguia ser.

Na faculdade, Damian se lembrava dos quadros incríveis que Diane pintava entre uma aula e outra, como as cores se misturavam na tela e diziam tantas coisas que ele não compreendia, mas que sentia com uma força extraordinária. Ele se recordava dos dedos de Diane, sempre manchados de tinta, dos macacões folgados dela, dos cabelos loiros sempre presos com algum lenço colorido e daquele sorriso largo e despreocupado sempre cravado em seu rosto brincalhão.

Diane tinha alma de artista, e com a filha deles não poderia ser diferente.

Quando Amy dançou, girando na ponta do pé e fazendo aqueles saltos com os amigos, misturando música clássica e contemporânea, Damian sentiu como se estivesse diante de um dos quadros de Diane. Ele não entendia, mas sentia. Quando a a filha deles dançou, sorrindo e fazendo todos aqueles passos complicados como se fosse fácil, ele sentiu. Esse era o poder da arte: fazer sentir.

A filha deles. Era a primeira vez que Damian pensava em Amy como o produto do amor dele por Diane. Sem saber ao certo os motivos, olhou para o céu nublado e sorriu. Eu não acredito que tive uma filha com você, sua maluca. Se Diane estivesse ali, teria socado seu peito com força e teria dito, semicerrando os olhos: "Você teve uma filha com uma maluca que você ama, seu idiota."

Damian riu sozinho, cruzando os braços. O sorriso sumiu aos poucos por dois motivos. O primeiro foi porque ele que, depois de tantos anos, não conhecia mais Diane. Não sabia se ela ainda comia M&M's feito uma viciada, se ainda acordava ao som de Bob Marley ou se ainda insistia em tomar chá com mel, o que Damian sempre achou muito esquisito.

Ele não conhecia mais Diane, não sabia o que ela diria ou faria. E com a morte dela, aquelas questões nunca teriam um resposta definitiva. Mas você sempre pode perguntar à garota, uma vozinha subversiva sussurrou em sua cabeça. De certa forma, aquele pensamento o confortou.

Até que a garota não era tão ruim assim. Ela era debochada e arrogante, mas sabia ser educada e gentil. Quando queria. Exatamente como a mãe.

O segundo motivo que fez o sorriso tranquilo de Damian sumir foi a visão de um tornado furioso vindo em sua em direção.

Lara vinha na frente do grupo num passo apressado e com o rosto transtornado. Um homem esquisito vinha atrás, tropeçando em sapatos não amarrados. Maria, sendo retardada por Will, esbravejava em italiano e tentava alcançar a camiseta amarrotada do cara. O grupo se afastou dos portões numa velocidade impressionante. Por estar longe, ele não tinha certeza se o que via no rosto do porteiro de cara quadrada era um sorriso enviesado ou uma expressão furiosa.

Damian se desencostou da minivan quando Lara parou em sua frente.

A vizinha tinha os olhos vermelhos, como se estivesse recolhendo todos os esforços do mundo para não chorar. Seu rabo de cavalo estava torto na cabeça, e ela repuxava o cardigan verde com força. Ver Lara daquele jeito, como se fosse ruir a qualquer momento, partiu o coração de Damian em mil pedaços.

Sete Lugares | ✓Where stories live. Discover now