04. ponto de partida

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LARA

— Vamos, bambine! — disse Maria, dando tapinhas nos traseiros de Giorgia e Alessia, que correram com suas mochilinhas da Hello Kitty para fora do prédio. — Vamos viajar!

As garotinhas sorriram, se aproximando da minivan prateada do outro lado da rua. Nervosa, Lara parou para observar as três atravessarem, receosa de que algum carro ou ciclista desatento pudesse surgir da extremidade da rua. Seu coração de mãe se aquietou quando as três chegaram sãs e salvas ao carro, rindo e brincando não muito longe do amigo esquisito do vizinho. Parada na porta do prédio, segurando a pequena mala de roupas e duas sacolas, Lara riu quando viu Maria mostrar a língua para Alessia. Às vezes ela não é muito diferente das garotas.

Maria era apenas dois anos mais nova do que Lara, que agia como uma espécie de mãe da irmã mais nova. As duas sempre foram — e sempre seriam — inseparáveis, principalmente depois de aideia maluca de embarcar para os Estados Unidos surgir em suas vidas. Aquelas histórias de irmãs que se odiavam, que brigavam constantemente e sentiam inveja uma da outra eram pura baboseira. Lara e Maria quebravam alguns pratos — não literalmente, e quase sempre por causa de Gérard —, mas como boas italianas gritavam e discutiam para, momentos depois, deixarem o ocorrido aonde ele pertencia: no passado.

Gérard, Lara pensou, um sorriso inundando seus lábios enquanto atravessava a rua. Os olhos castanhos do marido brilharam com desfoque em sua memória. Há quatro anos ela não ouvia sua risada faceira, sentia seu cheiro de sabonete ou o via acordar. Com um aperto no peito, Lara decidiu que quatro anos era um tempo muito longo para ficar sem o marido.

A felicidade que cresceu em seu peito encontrou ou olhos cansados de Damian, que esperava com as mãos estendidas pela bagagem para fechar o porta-malas da minivan. Sem graça, ela passou a mala e a sacola ao vizinho, que não esboçou reação.

Damian era diferente de Gérard, Lara pensou, enquanto o observava organizar as bagagens para que tudo ficasse em seu devido lugar. Além de mais alto, o vizinho tinha ombros largos, cabelos bagunçados e um traço constante de irritação na mandíbula quadrada e nos olhos azuis. Em seu rosto e em seus gestos, Lara via um homem que se incomodava com facilidade e que não era muito dado a sorrisos, principalmente quando estava com a namorada no corredor. Ela, sempre com os lábios franzidos e a postura de rainha, ele, sempre as mãos enfiadas nos bolsos e de ombros curvados. Talvez seja um problema dos americanos, mesmo.

Observando Damian encaixar as malas com um grunhido, Lara disse:

— Eu sinto muito. — Ele ergueu a cabeça, deixando a mala dela ao lado da mochila repleta de bottons de Amy. Lara tentou sorrir, mas a expressão acabada e confusa dele a deixou sem graça. — Por ter... ter gritado com você. Todo aquele mal-entendido me deixou um pouco... nervosa.

Damian piscou, o corpo ainda meio curvado para dentro do porta-malas.

— Tudo bem. Acho que fui um imbecil — disse ele, fechando a traseira do carro quando os outros começaram a entrar. — Eu não quis causar nenhum constrangimento a você, mas fiquei bêbado e quando vi o bilhete na porta também fiquei um pouco... nervoso.

Ela sorriu, mas ele não. Enfiado numa camisa azul amarrotada e num par de jeans que imploravam por uma passada na máquina de lavar, Damian era o retrato da exaustão. Ou o retrato do cara que descobre ter uma filha adolescente há dois dias e que precisa ficar trancafiado mais de vinte horas num carro com ela. Lara sorriu.

— Ah, e eu fiz sanduíches para nós. — Ela indicou a outra sacola que trazia nas mãos e Damian assentiu, aéreo. Sem graça, Lara coçou a cabeça. — Olha, você não me parece muito... legal.

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