33. tudo igual, só que diferente (pt. I)

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LARA

Lara secou as mãos no pano de prato e ergueu a cabeça quando a campainha tocou. Com um suspiro cansado, desejando que aquele longo dia terminasse de uma vez por todas, ela cruzou o apartamento e abriu a porta. A primeira visão que teve foi a dos olhos azuis de Damian encarando-a da penumbra azulada do corredor. Os dois ficaram em silêncio.

— Eu sinto muito.

Ele segurava um pequeno buquê de margaridas murchas nas mãos, a expressão da criança que faz algo errado e não sabe como se desculpar esculpida no rosto por barbear. Lara sorriu, fazendo um gesto para que ele entrasse. Damian agradeceu e coçou a nuca quando ela fechou a porta. Ele parecia desconfortável. Em pé no meio da pequena sala de estar, Damian pigarreou.

— Irina disse coisas horríves. Principalmente no corredor e... e depois também. Sinto muito por vocês terem ouvido aquilo.

Tão logo os dois se enfiaram no apartamento de Damian para conversar, Lara pediu à Maria que se acalmasse, e ofereceu uma xícara de chá à Amy. Lara tentou conversar com a garota, sorrir sobre o chá e não deixar o clima ruim tomar conta de tudo, mas foi impossível encobrir os gritos furiosos de Irina — Você tem uma filha adolescente?! Que palhaçada é essa?! — que chegaram a intervalos regulares até as duas. Silenciosa, Amy envolveu a xícara com as mãos e suspirou até Damian aparecer para levá-la embora.

— Ah, sem problemas. — Lara assentiu. Com um gesto, indicou as margaridas. — As flores...

Ele pareceu confuso, franzindo as sobrancelhas antes de piscar algumas vezes para as flores que trazia. Lara baixou o rosto, escondendo um sorriso.

— É. Sim. Bem, elas estão meio murchas, mas... — Damian pigarreou e se calou, coçando a nuca.

— São lindas. Obrigada. — Igualmente sem graça, ela sorriu. — Vou colocá-las num vaso.

Lara pegou as margaridas — estranhamente, suas flores favoritas — e foi até a cozinha, abrindo o armário à procura de um vaso. Atrás de si, ouviu Damian sentar-se sobre uma das banquetas do balcão com um suspiro. Com o canto dos olhos, ela percebeu o princípio de barba que escurecia o rosto quadrado dele e os olhos azuis emanarem um brilho exausto. Damian apoiou o rosto numa das mãos, o cotovelo fincado no balcão.

— Sinto muito pela parte da... da Imigração — continuou ele num tom culpado, erguendo os olhos para ela. — Irina não faria isso, sabe? Não de verdade.

Lara assentiu, as costas apoiadas contra a pia. Ela não tinha tanta certeza daquilo quanto ele, porém manteve o silêncio. Ao longe, sirenes de polícia rasgaram a noite, transformando-se num zunido distante. Damian suspirou, afastando discretamente a Barbie Veterinária que Alessia deixara em cima do balcão.

— Quer dizer, ela é uma boa pessoa — disse ele, franzindo as sobrancelhas para o jaleco branco da boneca. — Um pouco... um pouco esquentada, mas uma ótima pessoa.

Outra vez, Lara assentiu sem muita convicção. Ela sorriu, procurando evitar o silêncio que buscava infiltrar-se entre eles. Tudo o que não precisava no momento era ficar sem graça perto de Damian.

— Bem, obrigada pelas flores. Foi muito gentil da sua parte — disse ela. — Você aceita um chá?

Ele assentiu. Ela colocou a água para esquentar.

— Onde estão...

— Dormindo. — Lara riu, abrindo o armário outra vez. — A viagem foi longa. Duvido que se levantem ainda hoje.

Alessia, Giorgia e Maria entraram no apartamento, jogaram as mochilas e os brinquedos num canto e se arrastaram para o quarto como zumbis num daqueles filmes que Giorgia tanto gostava. Depois de quase partir para cima da namorada de Damian, Maria rangeu os dentes algumas vezes, mas acabou por ceder à pressão das sobrinhas e ao cansaço que ela própria sentia. As três já dormiam há quatro horas, e se Lara conhecia bem as três, não havia possibilidade de encontrá-las acordadas antes da manhã seguinte.

Sete Lugares | ✓Where stories live. Discover now