03. poder de persuasão

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DAMIAN

A mãe de Damian era uma conselheira valiosa. Dona de uma força de vontade inabalável — e de uma floricultura na região dos subúrbios que era a menina de seus olhos —, a Sra. Harris criara os dois filhos, Damian e Grace, para que fossem boas pessoas. Pessoas com imaginação, como dizia o Sr. Harris, orgulhoso, ao olhar com carinho para a esposa. Os conselhos da Sra. Harris, quando seguidos, raramente traziam consequências desastrosas, e os filhos e o marido, melhor do que ninguém, sabiam disso.

Para ela, não havia nada no mundo que um belo arranjo de flores e uma soneca não curasse. Damian, assim como a mãe, acreditava que eram poucos os problemas que não se resolviam após uma boa noite de sono, e nunca encontrara um só conselho seu que não fosse certo. Entretanto, para toda regra havia uma exceção.

Ele passara a noite inteira daquele sábado dormindo e acordando, vendo o rosto de Diane e da garota maldita que dizia ser sua filha pairando sob o teto do quarto. As duas vagavam feito fantasmas diante dos olhos de Damian, que já não sabia diferenciar o pesadelo da realidade. Desistindo de dormir, ele jogara as cobertas longe e se levantara da cama no início da manhã com apenas uma pergunta atormentando sua cabeça. Há quanto tempo não pensava nela?

Damian conhecera Diane Thomas numa festa da faculdade. Todos enchiam a cara, dançavam ou se agarravam pelos cantos daquela fraternidade apertada enquanto ele só procurava por um pouquinho de paz antes de ir embora. Damian se lembrava de vagar pelos corredores, de buscar por algum lugar onde ninguém gritasse, vomitasse ou estivesse transando, quando um moça loira, usando uma faixa colorida nos cabelos, empurrou-o para dentro de um quarto, trancando a porta e pedindo silêncio num sotaque engraçado.

Ele não se lembrava ao certo o porquê de se esconder — havia algo sobre uma aposta que Diane perdera para as amigas —, mas Damian se lembrava dos olhos castanhos dela, do nariz arrebitado, do sotaque de Edimburgo e da risada contagiante. O que era para durar alguns minutos, apenas o suficiente para que as amigas a esquecessem, durara a noite inteira.

Os dois conversaram até o sol surgir no horizonte, rindo das festinhas ridículas, dos professores metidos e dos colegas idiotas. Ela disse que cursava Artes, que adorava pintar e que Bob Marley era sua maior inspiração. Ele não se lembrava do que havia dito, mas sabia, tão logo a manhã chegara, que estava completamente apaixonado por Diane Thomas.

Os dois tinham 18 anos quando começaram a namorar, e agora, sentado de pijama no sofá da sala, naquele domingo sem graça, Damian calculou que não pensava nela há 15 anos. Com os braços caídos ao lado do corpo, ele mirou um ponto fixo na parede.  

Era esquisito pensar que Diane estava morta, que não existia mais. Damian acreditara que o gênio ruim dela, de alguma forma, a protegeria da morte. Parece que eu estava errado.

E era mais esquisito ainda pensar que os dois tiveram uma filha. Uma filha que Diane fizera questão de esconder. Que ideia de merda foi essa, Diane? Mas Damian não encontrou a resposta. A campainha tocou e ele enrijeceu no sofá.

Era Lara. Só podia ser ela. A vizinha o forçaria a dar abrigo à menina satanista que tinha seus olhos azuis e o nariz arrebitado e a insolência de Diane. Lara diria que a responsabilidade era dele, que por ser o pai era sua obrigação ficar com a garota.

A campainha tocou outra vez. Damian cogitou ficar em silêncio e fingir que não havia ninguém em casa, mas desistiu da ideia, erguendo-se do sofá com os ombros baixos. Era melhor acabar com aquilo de uma vez por todas.

Porém, não foi Lara quem ele encontrou do outro lado da porta.

Will sorriu, segurando uma caixa de papelão velha nas mãos. Os óculos de aro grosso escorregavam por seu nariz reto. Damian sorriu, mesmo sem vontade, ao ver o rosto de fuinha do melhor amigo.

Sete Lugares | ✓Where stories live. Discover now