34. tudo igual, só que diferente (pt. II)

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LARA

2 MESES DEPOIS

— E eu vou querer um número nove com molho extra, uma porção de fritas grande, um número cinco com...

Lara parou de ouvir. Depois de anos registrando os mesmo pedidos de novo e de novo, ela não precisava prestar atenção no que os clientes diziam. Eram como se os dedos de Lara soubessem exatamente onde ir no teclado engordurado dos caixas do Barley's

Naquela manhã o movimento estava acima do esperado. Filas se arrastavam pelo restaurante, motoristas passsavam zunindo pelo drive-thru e crianças malcriadas gritavam com os pais, chorando e batendo os brindes no chão, nas paredes e nas mesas revestidas com fórmica vagabunda.

Lara pegou as notas sebosas do careca com um sorriso automático. Era por isso que ainda trabalhava no Barley's.

Por mais que o trabalho fosse péssimo e que ela tivesse de limpar os banheiros de vez em quando, Lara sabia que o dinheiro entraria. O sonho de abrir uma confeitaria ficava cada vez mais distante a cada expediente encerrado no Barley's, mas não era como se ela possuísse outras opções na manga. Sonhos, ela considerou com certa amargura, não pagavam o aluguel, as contas e a comida. O dinheiro que ganhava ali mal dava para as despesas. E o segundo emprego de Maria, apesar de ajudar, não resolvia todos os problemas.

Uma senhora curvada substituiu o careca. Lara registrou o pedido com um sorriso mecânico. Seus pensamentos, porém, iam longe.

Se saísse mais cedo para o almoço, poderia pegar o metrô e tentar a entrevista de garçonete que tinha visto no jornal. Se fosse rápida, voltaria antes mesmo de o Sr. Bloom, o supervisor carrancudo, dar falta dela. Kate, também, poderia rendê-la no caixa. Sim, pensou Lara, registrando duas casquinhas para uma garotinha de nariz torto. Só preciso subornar Kate com um saco de biscoitos. Ou com a promessa de limpar o banheiro masculino. Silenciosamente, ela torceu para que apenas os biscoitos fossem o suficiente.

Se Lara conseguisse o emprego, havia a possibilidade de Maria largar o trabalho de lava-pratos naquele diner imundo atrás da prefeitura e encontrar algo melhor, algo que não pagasse uma miséria tão escancarada. Depois de trabalhar o dia inteiro tirando cópias na agência de Damian e Will, Maria corria ao diner e chegava tarde, sempre fedendo a gordura e, às vezes, desabando na cama com a roupa do corpo.

Lara registrou outro pedido, percebendo um burburinho no final da fila. Era comum as pessoas ficarem mais barulhentas conforme a hora do almoço se aproximava. Sem prestar atenção, seguiu registrando e pensando na irmã mais nova, que não aguentaria o ritmo frenético por muito tempo. Preciso desse emprego de garçonete.

Com a cabeça baixa, ela percebeu outro vulto entrar em sua frente. Finalizando o pedido do cliente anterior na velha caixa registradora, Lara disse:

— Bem vindo ao Barley's. O que o senhor des...

— Você precisa jantar comigo hoje à noite.

Lara ergueu o rosto ao ouvir a voz de Damian.

Seus olhos verdes encontraram os azuis dele. Damian usava uma camisa escura, com as mangas arregaçadas e um sorriso gigantesco nos lábios. Discretamente, ela olhou para o relógio digital do Barley's, que quase marcava meio-dia, a hora do almoço e da entrevista, e franziu as sobrancelhas para a animação de Damian. Se não o conhecesse, diria que ele estava sob a influência de alguma coisa muito forte. Lara piscou, sem saber o que dizer, quando seus olhos voltaram ao relógio. Dessa vez, não foi a hora que chamou sua atenção.

Encostada na parede engordurada, Amy bebia um refrigerante gigante logo abaixo do grande relógio. Com os olhos muito maquiados, uma gargantilha de veludo negro e botas de combate, a garota sorriu de volta. Lara percebeu que a raiz de seus cabelos, que eram de um loiro escuro, quase castanho, começava a tomar o topo de sua cabeça, fazendo a tintura preta perder, lentamente, a posição de destaque.

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