17. conversa de banheiro

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MARIA

Maria empurrou a porta vai e vem do banheiro feminino do posto de gasolina e foi recebida pelo cheiro azedo de urina, perfume barato e desinfetante de eucalipto. Torceu o nariz, desviando dos bolos de papel higiênico sujo do chão, e abriu a última porta dos cinco reservados.

Pichações cobriam as paredes verdes do box. Pelas contas de Maria, havia dois desenhos razoáveis da bandeira Confederada — uma delas com os dizeres BRANCOS SÃO SUPERIORES logo abaixo —, três números de telefone, três nomes de mulheres e mensagens diversas como BILLY B. TEM SÍFILIS!! e o corriqueiro TED PAU PEQUENO entre a palavra PUTA desenhada em caligrafias diferentes.

Ela deu descarga, ajeitou os cabelos negros num coque, fungou e deu uma boa olhada no espelho largo que recobria as cinco pias do banheiro. Maria parecia saída de um filme de terror, com olheiras profundas e a blusa cinzenta folgada, amassada pela mochila, deixando à mostra suas clavículas salientes e as alças de seu sutiã azul marinho.

Ela se apoiou na bancada e encarou o próprio reflexo sem maquiagem no espelho. Cara, você já foi mais vaidosa. Maria puxou o rímel velho do bolso do jeans quando alguém abriu a porta do banheiro.

Pelo espelho, viu Lara entrar e sorriu. Maria segurou o pincel do rímel a meio caminho dos olhos ao perceber a expressão angustiada da irmã através do espelho. Subitamente o sentimento de que alguma merda estava para acontecer se grudou ao fundo da garganta de Maria.

— Está tudo... bem? — perguntou ela.

— Ah, claro. — A irmã mais velha sorriu sem vontade, torcendo as mãos. — E você? Tudo bem?

Maria sabia exatamente quando Lara queria alguma coisa. Em vez de pedir, dizer o que a incomodava, ela sempre recorria a rodeios intermináveis que não chegavam a lugar algum. Lara era como a mãe angustiada que não sabe explicar ao filho que o animalzinho de estimação fugiu, pensando em cada palavra para não fazer a criança chorar.

Com um sorriso irônico, Maria fechou o rímel seco e se virou para a irmã, apoiando as mãos na bancada de pedra clara da pia.

— Corta essa, Lara. O que houve?

Sem graça, Lara se abraçou e olhou para os piso sujo de barro e papel higiênico. Ela suspirou e sorriu de volta sem vontade, quase como se estivesse com vergonha da pergunta que faria a seguir.

— Sou tão previsível assim?

Maria riu e se voltou para o espelho.

— Você nem imagina. — Ela sacudiu o rímel, tentando extrair algum resto de maquiagem dali. — Depois de uma vida inteira aprendi como você é. Mas chega disso. O que houve?

Lara se demorou, insegura. Havia uma goteira em algum lugar do banheiro, pingando e fazendo um blup irritante quando ela se aproximou. Apesar de Lara ter dormido antes de chegarem ao posto, seus olhos verdes com manchinhas castanhas pareciam cansados, prestes a desistir.

— Você se lembra quando nós — começou Lara, fazendo uma pausa para procurar as palavras que queria — quando... quando moramos com Gérard naquele apartamento de um quarto lá nos guetos?

Maria encarou Lara pelo espelho e apertou os lábios.

O cheiro de suor e urina daquele prédio acabado não a abandonara desde que saíram de lá. Maria desconfiava que nunca se esqueceria do fedor dos guetos, do medo nos olhos verdes de Lara a cada batida policial e dos gritos das prostitutas. Ela não se esqueceria dos guetos, mas morar com Gérard era outro dos pesadelos que Maria tinha certeza de que carregaria consigo para o caixão.

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