Stay Strong

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Já havia anoitecido quando cheguei ao dormitório e me joguei na cama, finalmente. Wendy não estava, o que era mais do que comum, e o quarto estava a mesma bagunça de sempre. Acho que no fundo eu tinha uma alma bagunceira, pois era bom estar de volta. Porém, apesar de me sentir bem ao voltar, minha dor me acompanhara durante todo o caminho. De alguma maneira, pensei que ela diminuiria quando eu saísse mais uma vez de Mullins. Acho que ainda não.

Eu não queria testar, mas sabia que meu estoque de lágrimas não havia acabado. Chequei meu celular e não havia nenhuma chamada perdida de Jack, imaginei que ele me ligaria várias vezes, mas o fato de não ter ligado me deu uma pequena esperança de que finalmente havia entendido o que fazer.

Pensando nele, notei que eu também estava presa em algo que não queria. Não era meu desejo me tornar advogada, mas eu ainda estava ali presa àquilo. Entretanto, apesar dos problemas, eu não podia abandonar a faculdade sem mais nem menos, não havia garantia alguma de que a melhor opção para mim naquele momento fosse abandonar os estudos. Eu não podia simplesmente jogar tudo para o alto sem um plano B.

E se não havia ligações perdidas do meu irmão mais velho, havia uma mensagem de voz. E era de Steve. Claro que era. Não sei como consegui, mas ri quando o ouvi dizer que não gostou de ser chamado de Steven, com o N no final. Ele também perguntou sobre o piercing e os óculos e pensei seriamente em ligar de volta e vetar, mas já era tarde e ele provavelmente estava se derretendo com Natalie ao vivo e a cores. O pensamento me fez sorrir da paixão boba e adolescente que ele tinha por ela, e fiquei um tanto aliviada quando ele mencionou a questão do passado que nós duas temos e que me pareceu algo sem importância. Pelo menos por enquanto.

...

Rolei na cama durante a noite inteira e não consegui dormir, mesmo com os olhos cheios de areia de sono. Consegui cochilar quando o sol começou a clarear o quarto, mas logo levantei parecendo um zumbi perdido.

Não fui à aula mais uma vez, quinta-feira era dia de muita leitura e discussão com o Sr. Pierce na aula de Sociologia. Eu gostava da aula, mas hoje não. Eu só queria dormir o dia todo mesmo com meus pensamentos me impedindo e me testando para encontrar algo que os calasse. Resolvi tomar um banho e trocar as roupas escuras por algo mais agradável. Fui até o guarda-roupa e, apesar de demorar a encontrar algo no meio da bagunça que estava sempre prestes a tomar vida própria, consegui achar algumas peças coloridas e leves que condiziam com o clima ameno que fazia lá fora. Talvez vestir roupas coloridas melhorasse o meu estado em um décimo, quem sabe.

...

...

Eu não sabia que horas eram, havia deixado o celular no dormitório de propósito. Queria poder deixar tudo para trás, seja lá o que fosse tudo. Eu estava no Washington Square Park, sentada sozinha em volta da fonte com os visitantes de sempre. Ver aquelas pessoas e imaginar quais eram as histórias de suas vidas me dava uma sensação estranha, de estar vazia. Eu havia perdido o meu pai, meu professor preferido, meu amigo, meu mentor, meu fã número um. Aquela era a minha história naquele momento e eu só conseguia sentir um grande vazio no peito.

Era inútil vestir cores alegres. Ainda era impossível seguir em frente, eu só queria me trancar em num quarto isolado e chorar sozinha, mas, no fundo, sabia que não podia fazer isso.

Deitei a cabeça para trás com os olhos fechados sentindo o sol esquentar meu rosto e respirei fundo algumas vezes, porém na quarta vez, um cheiro forte de cigarro me fez abrir os olhos e ver quem era o idiota me importunando com sua presença malcheirosa.

- Minha semana tem sido uma verdadeira decepção, mas te encontrar aqui sozinha no sol me parece um sinal de que vai melhorar. Tudo bem, Sam? - era Brad, e ele não estava fumando, mas exalava aquele cheiro horrível de cigarro.

Vestia uma camiseta de alguma banda que eu não conhecia e só então pude perceber que seu braço direito era fechado por tatuagens. Seu cabelo estava preso num pequeno coque bagunçado que faria inveja a qualquer garota que tentava um de propósito.

- Na verdade não. Minha semana também tem sido uma verdadeira decepção e te encontrar aqui com esse cheiro de cigarro, sinceramente, não melhorou em nada.

Ele arqueou as sobrancelhas parecendo fingir que não sentiu a acidez em minha resposta. Eu já não estava a fim de encontrar pessoas conhecidas, encontrar Brad era ainda pior.

- Entendi. Parece que andou chorando... estou certo?

Fiquei calada, mas ele não.

- Relaxa, ele volta.

Aquela foi a pior brincadeira que ele poderia ter feito, mesmo sem saber.

- Não, ele não volta. - respondi tentando não chorar de novo A última vez havia sido no dormitório, por isso ele percebeu meus olhos um pouco inchados.

- Bom, pra ter te abandonado, ele deve ser bem idiota. - Brad coçou o queixo.

- Ele morreu, Brad. - soltei de uma vez e ele me encarou chocado.

- Sinto muito. Quem era?

Eu não queria me fazer de coitada e chorar como um bebê ali no meio da praça, e logo para Brad. Ele até pode ter dado aquela sugestão ao Doran, mas eu não confiava nele.

- Meu pai. - algumas lágrimas escorreram sem que eu pudesse barrá-las.

- Eu sinto muito, Sam. De verdade, me desculpe pela brincadeira. - ele passou a mão no meu rosto, talvez tentando secar as lágrimas.

- Tudo bem, não é culpa sua. - consegui engolir o choro. - Vou ficar bem.

- Por favor. Você é linda toda respondona e brava, te ver chorando é realmente impactante.

Então eu deveria ser respondona e brava o tempo todo, nunca chorar e me mostrar frágil. Era exatamente essa droga que minha mãe falava. E foi exatamente uma das coisas que me fez assim, fechada e explosiva.

Um vento forte soprou bagunçando meu cabelo e Brad fez questão de arrumá-los e colocar uma mecha atrás da minha orelha, liberando minha visão.

Será que ele esperava que eu o agradecesse por isso?

- Você sabe que eu gosto de você e que quero te ver bem, não sabe? - ele aproximou o rosto do meu e falou perto de mim, obrigando seu hálito de fumante compulsivo tocar minha pele.

Esquivei-me o suficiente para que percebesse que estava perto demais, mas ele não percebeu ou simplesmente ignorou meu sinal.

- É, acho que sei. Mas se você realmente quer me ver bem agora... - respirei fundo, eu nem tinha forças para dar a ele uma resposta que merecesse. - Eu só preciso ficar sozinha.

Brad demorou a se afastar, mas antes de levantar e sair, perguntou num tom esquisito:

- Se fosse o Steven no meu lugar, ia querer ficar sozinha?

- Por que está perguntando isso?

- Curiosidade. Vocês parecem se dar tão bem e... - ele ficou de pé de repente. - Quer saber? Eu vou te deixar sozinha. Desculpe ter te atrapalhado, espero que fique bem. - Brad sorriu fraco e colocou alguns fios que escapavam de seu coque desleixado atrás da orelha. - Tchau, Sam.

- Tchau. - respondi baixo e não sei se ele ouviu.

A única coisa que me intrigou foi o jeito com que ele falou de Steve, se eu ia querer ficar sozinha se fosse ele ali comigo, e como nos damos bem. Contudo, apesar de soar intrigante, para não dizer estranho, minha mente não tinha espaço para esses pensamentos.

Agora eu conseguia perceber que morrer devia ser bem fácil, era só ir. Quem sofre é sempre quem fica, mas eu ainda não havia provado disso, e todos sabem que só entendemos as coisas de verdade quando temos a experiência. Meu pai se foi, mas eu fiquei, e aprender a viver minha vida normalmente sem ele seria uma tarefa árdua e dolorosa.

Mas eu precisava seguir de qualquer jeito. Eu não podia me deixar abater, mesmo que a ideia de ficar trancada sozinha num quarto fosse a mais atraente do momento, eu não podia afundar assim.

O AcordoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora