Reconciliação

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Agora que Samantha havia ido embora eu conseguia pensar um pouco na volta antecipada do meu pai. Foi um choque vê-lo depois de dias em que esteve fora, e claro, desde a última vez que nos vimos. Eu nem sabia o que fazer ou sentir com sua volta, parecia que nada havia acontecido.

Eu já devia ter me acostumado.

Ainda fiquei algum tempo no piano, mas assim que me lembrei dos vídeos de Samantha me afastei do instrumento e me acomodei no sofá enorme e confortável e comecei a procurar pelos arquivos. Achei seus vídeos e abri o primeiro deles, o que ela cantava um pequeno trecho de alguma música que eu tinha a sensação de conhecer, mas não sabia de onde. Assisti ao vídeo repetidas vezes, assim como os outros.

Na hora de ouvir as gravações de áudio, precisei correr até o quarto para pegar os fones de ouvido, mas esses não estavam lá. Voltei correndo à sala dos quadros, pensando que talvez estivessem lá, e qual não foi minha surpresa quando vi meu pai parado no meio da sala, com o olhar distante para o piano.

Ele também pareceu se assustar com a minha presença repentina, mas desisti de procurar qualquer fone de ouvido e dei meia volta para sair. Ele, no entanto, me chamou. Virei e apenas o olhei em resposta.

- Podemos conversar?

Aquela era a última coisa que eu esperava ouvir dele, parecia até mentira.

- Sim. - uma resposta irônica veio à minha mente, mas eu não queria aquilo. Não queria o comportamento estourado cheio de respostas na ponta da língua. Eu não gostava nem um pouco da relação que eu e meu pai tínhamos, então não havia motivos para continuar com aquilo se ele mesmo havia proposto a conversa.

- Acho que você devia se sentar. - meu pai ainda estava sério como sempre, mas não sei se eram as roupas mais informais, porém escuras como sempre, ou o fato de estar ali naquela sala e propondo uma conversa, que acabou me convencendo. Fui até o sofá no canto e me sentei praticamente jogado nele.

- Espero que não seja mais uma de suas tentativas de me fazer largar a faculdade.

Meu pai se sentou de costas para o piano, de frente para mim, mas ainda distante.

- Sabe Steven, fiquei uma semana inteira pensando em como começar uma conversa com você. Em como ter uma conversa de verdade com meu próprio filho. - um sorriso amarelo apareceu e desapareceu de seu rosto em segundos. - Nunca fui um homem de fugir das coisas, mas depois de tudo o que me disse naquela noite, fiquei desesperado e quis fugir pela primeira vez desde a morte da sua mãe. Voei até Miami na madrugada e fiquei todo esse tempo pensando em tudo.

Eu não podia acreditar que meu pai estava realmente ali falando aquelas coisas para mim. Eu só conseguia ouvir tudo sentindo uma pequena angústia que me consumia há muito tempo.

- Fui até nossa casa. Nunca me desfiz dela, pois não consegui. - ele prosseguiu. - Está do mesmo jeito de quando nos mudamos, exceto pelos quadros. - ele apontou com o dedo indicador os quadros nas paredes da sala. - A presença da sua mãe está naquela casa, mesmo sem eles. Todos os dias imagino como seriam nossas vidas se ela ainda estivesse aqui. A morte dela ainda é uma ferida aberta e acho que sempre será. E o fato de eu não conseguir lidar com isso até hoje me afastou de você e eu percebi isso ao longo do tempo, mas imaginei que estivesse tudo bem para você. Imaginei que o dinheiro e tudo que eu podia oferecer em termos materiais fosse o suficiente.

- Mas não foi. - minha voz saiu grave demais. Eu nem esperava dizer nada.

- Eu sei. E não foram suas palavras que deixaram isso bem claro, foi o seu olhar. - ele respirou fundo, ficou de pé e andou até a janela do meio. - Eu sei que fui um fracasso como pai, reconheço que terceirizei a sua criação e os empregados cuidaram melhor de você do que eu jamais cuidei. Olhar para você sempre me lembra dela e imaginar o que faria se estivesse em meu lugar, se eu tivesse morrido e não ela... - meu pai estava perdendo a máscara de seriedade, sua capa de proteção.

O AcordoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora