A garota do caderno

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Eu estava sozinha na sala do piano e resolvi ir logo até a entrada da casa, era só Steve voltar e eu iria embora. Fazia quase um dia inteiro que eu estava ali e até ficaria mais, mas era melhor não. Eu precisava das minhas coisas, principalmente do meu celular, que ia ter que procurar quando chegasse até o dormitório ou simplesmente rezar para que aparecesse.

Quando cheguei até a entrada da casa, que mais parecia a de um filme, levei um baita susto com a porta se abrindo. Parei e fiquei observando-a abrir e segundos depois vi o pai de Steve entrar. Ele olhava algo na tela do celular e acredito que passaria reto sem me ver ou falar comigo, mas pigarreei de propósito tentando não soar grosseira. Assim que me viu ele se espantou, mas logo sorriu.

- Senhorita Walker, que surpresa. - ele veio até mim e me cumprimentou com um aperto de mão bem firme.

Sorri de volta, um pouco sem graça e com a mão levemente dolorida.

- Acho que devo dizer o mesmo. Steve me disse que voltaria daqui algumas semanas. - senti-me intrometida, mas já havia dito, não tinha mais volta.

- Sim, eu voltaria, mas não havia nada mais a fazer em Miami, então... - seus olhos azuis pareciam cansados. - Aqui estou.

Eu não sabia o que dizer, mas então me lembrei de algo que disse a Steve, que o ajudaria em relação ao pai. Tudo bem que ele estava bêbado e provavelmente nem se lembrava de nada, mas eu sentia que podia ajudar, e talvez essa fosse a hora perfeita.

- Sr. Adams... - eu não deveria mais chamá-lo assim, mas não havia tempo para correções.

- Sim? - ele era tão sério, alto e imbatível naquele terno escuro e impecável que dava certo medo de falar com ele, mas eu tinha coragem suficiente para isso.

- Imagino que esteja exausto da viagem, mas acho que não terei outra chance como essa, então... - respirei com calma, mas não tanta, tinha que falar logo antes que a coragem sumisse. - Bem, deve saber que eu e Steve somos muito amigos e ele sabe dos meus piores traumas e eu os dele. Talvez saiba, talvez não, mas... O senhor é um deles.

Ele me encarou esperando pacientemente. Não houve mudança em sua expressão e eu entendi Steve um pouco mais. De qualquer maneira, prossegui:

- Sei que não tenho direito algum de me intrometer em suas vidas, mas já vi como ele fica mal com isso e o senhor deve saber também, então... - droga, perdi a fala.

- Então...? - ele foi tão sério que olhei para baixo, com vergonha.

Forcei-me a respirar fundo e voltei a sustentar seu olhar que, numa fração de segundos, lembrou o da minha mãe e senti saudades dela, mas tratei de afugentar a lembrança naquele momento.

- Eu só queria pedir que converse com seu filho. Uma conversa de verdade, acho que vocês têm muito a dizer um ao outro. - respirei fundo sem acreditar que ele ainda estava ali me ouvindo. Aproveitei que ainda me ouvia e que ainda estávamos sozinhos e continuei: - Acho que Steve se parece um pouco comigo, ele guarda alguns sentimentos e isso é muito ruim. Eu só queria mesmo ajudar e...

- Pai?

Steve voltou. Só rezei para que ele não tivesse ouvido nada, aposto que odiaria.

- Oi, Steven. - seu pai lhe respondeu.

- Achei que só voltaria daqui uma semana.

- As coisas se resolveram antes e resolvi voltar. - ele respondeu ao filho e depois olhou para mim. - Bom, se me dão licença, preciso descansar da viagem. Foi um prazer revê-la, Senhorita Walker.

- Igualmente. - respondi e o vi subir as escadas sem dizer mais nenhuma palavra.

Ouvi Steve bufar e passar por mim, e quando foi em direção a porta lembrei-me do que fazia antes de seu pai chegar. Ele abriu a porta e eu vi o motorista da outra vez, Miguel, esperando por mim ao lado do carro em frente o enorme portão de entrada. E eu tinha razão, já havia anoitecido.

O AcordoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora