Ensaio

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Não sabia se agradecia ou xingava mentalmente por Carmen ter interrompido. Eu gostava da lembrança de Samantha bêbada quando vínhamos para minha casa, mais especificamente quando ela ficou extremamente contente pelo simples fato de eu estar com ela. No entanto, eu não sabia se seria tão legal dizer isso a ela como eu imaginava. Algumas coisas ditas em voz alta mudam de sentido, e eu tinha certo receio disso.

Era no mínimo intrigante comparar a opinião que ela tinha sobre eu estar interessado em Natalie Jackson e o contrário, o que Natalie pensava de Samantha. A loira queria que eu simplesmente me afastasse da morena, mas essa aceitava o fato de eu querer conquistar a garota que mais detestava em toda a universidade. Eu ainda ficava impressionado com as diferenças entre elas.

Levantamos do chão e Samantha saiu primeiro, mas logo parou perto da porta e esperou por mim. Era engraçado vê-la à vontade, e de repente voltar atrás e ser a caipira tímida. Encontramos Carmen no meio do caminho para a cozinha, mas não descemos as escadas, pois falei com ela de longe:

- Carmen?

- Oi, queridos. Quero saber se já posso mandar servir o almoço.

Olhei para Samantha e ela deu de ombros, o que não acrescentou em nada, e apenas respondi:

- Sim, pode. - vi Carmen olhar de Samantha para mim de um jeito demorado e esquisito, mas preferi não questionar. Ela só sorriu em resposta e saiu de nossas vistas enquanto me virei e voltei para o quarto.

- Você não ia me dizer algo?

Olhei para ela e paramos os dois no corredor. Eu não tinha certeza do quê, mas algo em mim não queria contar a ela as palavras que usou enquanto vínhamos embora. Parecia mais certo guardar para mim o sorriso que iluminou seu rosto e o abraço apertado e sincero que me deu quando contei que a havia escolhido em vez de Natalie.

- Não era nada importante. O que acha de brincarmos um pouco de música? - forcei um sorriso que se transformou em um autêntico quando a vi sorrir com minha proposta.

- Já que estou aqui... Por que não?

Voltamos ao quarto e busquei pelo violão que ficava debaixo da cama. Quando me virei de volta vi Samantha novamente sentada no chão. Ela parecia gostar daquilo. Estava no meio do quarto com as pernas cruzadas como se fosse meditar.

- Sabe, aquela versão de Back to black no Doran'z ficou ótima. - juntei-me a ela e completei quando sentei à sua frente: - Acho que esse estilo combina muito com você, apesar de se sair bem cantando qualquer coisa.

- Achei que seria óbvio que me identifico com esse estilo. - ela segurou o riso, mas não por muito tempo.

- Bem, você conseguiu. Mas sabe o que mais gosto em você como cantora? O fato de qualquer música, na sua voz, ser sua. Como se fosse a original.

- Você é tão otimista que me irrita.

- E posso saber por quê?

- Porque não acho que na prática seja assim tão fácil.

Olhei-a com atenção por alguns segundos na pose de quem está confortável como se estivesse em casa: pés descalços, roupas simples, cabelos bagunçados, mas ainda dando-lhe certo charme, e os olhos azuis de mar.

Agora eu sempre me lembraria do mar.

- Um dia você vai acreditar em si mesma. E eu quero estar perto para ver. - ela apenas me encarou em silêncio. - Certo, cante alguma coisa nesse mesmo estilo sem o violão acompanhando. Mas algo que exija um pouco mais de você.

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