002

464 77 531
                                    

Acordo deitada na enfermaria, o que é bem estranho. Até tenho vontade de rir, é o que faço quando estou nervosa, mas me contenho.

—Está tudo bem, senhorita Estrela Maria? -A voz da diretora faz com que eu erre uma batida.

—Sim, obrigado por perguntar, senhora Walter. -Disponho de toda minha educação e delicadeza.

—Bom, como eu dizia, antes de desmaiar... -Suas palavras fazem com que parte de mim crie esperança de que não foi só um sonho. —Sua família está te esperando lá embaixo, por favor, arrume-se. -Um sorriso enorme surgiu, quase que tampando meu rosto, mas um simples gesto da mulher fez com que o mesmo sumisse.

Levantei indo em direção ao quarto de Lucas, eu não sei o que fazer, e nem como vou conseguir tirá-lo daqui, mas antes que eu pudesse chegar a ala masculina, duas mãos enormes me pararam. Um par de olhos azuis, inexpressivos, gélidos e assustadores. Eu conheço bem esses olhos.

—Vamos embora! -Foi tosco, e rígido. Saiu me puxando sem se importar com minhas reclamações ou pedidos de paciência. —Essa será sua família agora.

Olhei para a mulher e o menino à minha frente, eu pensei em sorrir, mas não podia, eu precisava falar com Lucas mais uma vez e tentei fugir novamente do homem, mas o mesmo me segurou me forçando a entrar no carro.

Já presa no automóvel, é a primeira vez que entro em um, vejo Lucas se apressar em sua cadeira de rodas, acho que nunca senti uma dor maior que está. Ele já estava perto e eu gritava seu nome, mas foi tarde demais, o homem arrancou com o carro fazendo o meu coração se quebrar em pedacinhos.

—Eu te amo! -Gritei e ao longe pude ler em seus lábios que ele dizia o mesmo. Meu irmão...

—Fará outros amigos. -Foi tudo o que ele me disse.

•••

Nova Iorque

Foi minha primeira vez em um avião, ainda por cima, dopada.

A mulher me olhava pelo espelho, ela é jovem, mas já acima do peso. Isso nunca foi permitido no colégio Caminho do Céu, ser magra era uma para todos uma regra.
O menino, que se parece muito com o homem, tanto quanto com a mulher, está ao meu lado, ele me olha como se eu fosse um unicórnio.

—Você é minha irmã mais nova! -Afirma com convicção e eu olho novamente para a mulher que, em nada, se parece comigo.

—Desculpe minha falta de delicadeza, mas os senhores à minha frente são meus pais? -Pergunto tentando manter a pose. Posso ser pobre e órfã, mas aprendi que nunca devo me rebaixar diante a alguém.

—Aquela é a Madson, ela é minha mãe e sua madrasta! -Que ótima notícia, agora só falta me dizerem quais serão meus afazeres diários. —E ele é o nosso pai, David! -Ele está muito empolgado e me abraça de lado.

—Seja bem vinda à nossa família! -A mulher que até então se manteve calada fala. —Seu nome é Alysson Estrela Maria D'Lavin.

Ótimo, eu realmente tenho nome de atriz de novela mexicana. O homem, que agora tenho certeza que é meu pai, está com o olhar fixo na estrada.

—Pai? -Chamo e ele se mantém calado. —David? -Finalmente ele me olha.

—Que fique bem claro que eu não sou seu pai! Sou no máximo alguém que te quer bem e vai te manter até alcançar a maior idade. -Suas palavras doeram, mas não mais do que  ele me disse a anos atrás. —Você irá para outro colégio em menos de uma semana, então se comporte.

—Você irá estudar no mesmo colégio que eu, já saiba que sou muito popular. -Fala e me questiono qual o seu nome.

—É, você irá, mas a única diferença é que, Adam volta todos os dias para casa e você não. -Outra vez o homem se pronuncia.

—Perfeito, saí de um presídio para ir parar em outro. -Sussurro para mim mesma, mas outra coisa que aprendi é que eu não sei ser discreta.

—A nossa casa é enorme, assim como nossa família! Você irá adorar meus avós, meus primos, meus amigos também! -Adam continua com a mesma empolgação e eu procuro atentamente uma forma de fugir dali.

—A minha família é perfeita, por isso e vários outros motivos, você não faz parte dela. -Outro balde de água fria, vindo de David.

—Amor, vai assustar ela desse jeito! -A mulher o repreendeu e eu tento achar um buraco para me esconder.

—Pai, não trate ela assim! -Pai...

-Me desculpe, não foi intencional. A minha única intenção é deixá-la ciente de que nós somos uma família, e ela não faz parte. -Joga mais uma vez em minha cara que sou órfã.

Depois disso ninguém mais quis se pronunciar. A minha única ação foi ficar de boca aberta quando entramos em um portão enorme e branco e uma casa, dessas de ricos apareceu em minha frente.
Só me dei conta que todos saíram do carro quando Adam abriu a porta para mim.

—Seja bem vinda, Aly! -Saio do carro deslumbrada com o tamanho do lugar.

—Meu nome é Maria... -Minhas palavras saem falhadas e ele saiu me puxando para dentro da casa.

—Eu sei, mas eu vou te chamar de Aly! -Tenho a impressão de que se eu o contrariar vai ser pior... —Vamos, me dê um apelido!

Existe apelido para um nome tão pequeno? Tipo, Ad, não...
D? Tipo nos filmes em que dão apelidos com só uma letra! Não, também é estranho...

—Dam! -Falei sem tentar esconder o quanto estava empolgada.

—Gostei! É melhor do que Júnior...todos me chamam assim, é tão chato. -Ele solta minha mão e se joga no sofá. Quanta falta de educação!

—Alysson, quer conhecer seu quarto? -A senhora pergunta e eu encaro a todos procurando pelo menino ou menina. —Você é a Alysson!

—Não, meu nome é Maria! -Tento ser cordial e educada. —Se não for pedir muito, eu ainda não tive nenhuma...

—Alysson, vá para seu quarto! -O senhor D'Lavin manda, e eu nem sei onde é o quarto!

—Sim... -Saio acompanhando uma senhora.

Quando ela abre a porta do quarto, vejo meus olhos brilharem. Eu não gosto de rosa, mas ainda sim é um quarto. Ele é pintado, paredes rosa bebê e uma rosa bem forte e outra com bolinhas. É limpo e tudo parece novo. Ela me guia até o banheiro, QUE É DENTRO DO QUARTO, tem tudo, tem até espelho!
Novamente ela me puxa até outra porta e quando abre sinto uma lágrima solitária descer livremente sobre meu rosto. Eu nunca tive, nunca vi, tanta roupa na minha vida.

Quando me virei para a mulher, ela já estava abrindo a porta do quarto.

—Não saia até segunda ordem! -Falou e fechou a porta.

Em desespero corri até a porta, não foi uma surpresa encontrá-la trancada. E eu achando que agora iria mudar alguma coisa. Pelo menos lá tinha comida.

Assalto Onde histórias criam vida. Descubra agora