003

381 62 334
                                    

Estou há um bom tempo trancada nesse quarto, daqui a pouco já está até escurecendo e eu ainda não comi. Será que eu vou morrer de fome? Eu preciso dar um jeito de sair daqui e terá que ser pulando a janela e torcer pra conseguir alcançar com facilidade a varanda.

Consegui pular a janela e alcançar o beiral para a varanda, ficar tanto tempo presa me fez perceber que a vista é linda, tão linda que não se encaixa em um mundo como esse. A varanda é ampla mas não dá acesso à nada, tive que tirar meus sapatos e segurar um em cada mão para tentar amortecer um pouco a queda

Tomei coragem e pulei lá de cima, por sorte é grama e a única coisa que me dói é a bunda, o fato de pular de um lugar tão alto me deixou com tontura e enjoada. Voltei a calçar os sapatos e segui procurando por uma saída e logo precisei dar meia volta pois haviam muitos homens de preto lá. Um pouco mais longe de onde eu estava, consegui encontrar outra saída e corri em direção à ela. Eu só não esperava que desse acesso a outra casa, com um cachorro tão grande.

—Oi coisinha linda, a tia Maria só quer passar e ir embora! -E não adiantou nada pois ele se aproximou mais de mim. —Que cachorrinho lindo, totó bonzinho, aposto que vai deixar a titia Maria passar, eu prometo que te trago um osso. -Ele não parecia afim de negociação e começou a latir e correr em minha direção. —Socorro! -O que eu poderia fazer?!

—Bruce, deixa ela. -Quando o garoto de pele negra surgiu o cachorro se deitou e fingiu que nada acontecia ali. Ao focar ainda mais no dono do cachorro me vi perdida em um lindo par de olhos verdes, mal lembrava a presença do cachorro na minha frente. O cabelo castanho escuro e sedoso é bagunçado pelo vento, seu sorriso foi como um abraço para mim, tornando minha cena de salvação mais linda e empolgante. —Você está bem?

—Meu nome é Maria! -Burra, burra, burra! —É, sim, e-estou bem?

—Você é uma gracinha. Meu nome é Pathrick, o que está fazendo aqui na minha casa? -Ele fala como um anjo, sua voz é firme, mas ainda assim suave e bem levemente rouca, mas é quase imperceptível.

—Eu estou tentando fugir. -Abaixei minha cabeça por pensar que ele fosse rir de mim, mas ele só acabou me encarando com seriedade e com um olhar repreensivo.

—Legal, e como pretende fugir? Desculpa a pergunta, é que não estou vendo nenhuma bolsa e com certeza não irá muito longe assim. -Eu preciso de uma bolsa! —Se sair assim, você vai passar fome e não dou dois dias e aparecerá como morta no noticiário. -Não é como se eu fizesse muita questão de viver, mas suas palavras foram capazes de me assustar e fazer com que eu regride alguns passos .

Sem mais palavras ele me guiou para dentro da sua residência e meus olhos brilham quando vejo uma mesa com bolo, suco e várias outras coisas que nem mesmo sei o nome. E ele percebeu.

—Faz muito tempo que você não come? -Perguntou me encaminhando até a mesa.

—Um dia e meio ou mais! -Ele me olha assustado e indica a cadeira para me sentar, mas ainda assim esperei que ele a puxasse para mim, pois seria uma grande falta de educação não o fazer. —Não irá puxar a cadeira?

Finalmente ele vem até mim e eu me sento. Ele logo faz o mesmo e fica me encarando sorrindo.

—Com licença, posso? -Me refiro a refeição e ele me permite.

(...)

Estamos agora na sala e pude confirmar que ele é um garoto muito simpático. Ele até estava tentando me ensinar a jogar algo, mas eu não consegui. A noite já havia caído e eu nem sabia o que fazer a partir dali.

—É aquela ali? -A mãe de Pathrick aponta para mim e logo atrás dela vem os senhores D'Lavin e seu filho.

—Sua irresponsável! Como sai assim sem falar nada? -David pergunta indignado e se forçando a ficar calmo.

—Queria que eu ficasse trancada lá até morrer de fome?! -Me esforço para não me exaltar pois estaria me colocando no mesmo nível que ele.

—Pai, não acredito que trancou ela e pior, a deixou sem comida! -Adam grita e corre até mim. —Você está bem?

—Pathrick cuidou de mim e me disponibilizou uma refeição. -Mantenho agora um tom alto, mas sem gritar, só para garantir que David me escute.

—Muito obrigado, Pathrick, obrigado Dona Christie, agora preciso levá-la para casa. -Nem eles ou eu tivemos como protestar contra. Quando me dei conta ele já me arrastava à força para casa.

—Me solta, eu não quero voltar para lá! -Finalmente grito e ele me joga em cima do sofá.

—Por mim eu te devolveria hoje mesmo  Você é igualzinha a ela, ou pior. Vá para seu quarto agora e não se preocupe em tentar fugir, caso aconteça, você passará a morar nas ruas!

—Para com isso, David, ela é só uma criança. Hoje é o aniversário dela e é assim que você quer que seja? -A sua mulher pergunta e ele a encara com raiva.

—Parabéns, fazem treze ou quinze anos que você nasceu para infernizar minha vida! -Não possui uma gota de remorso em sua feição e ao olhar para mim parece que seu ódio aumenta ainda mais. —Some da minha frente! -Eu não tive outra opção, corri desesperada até o quarto.

—Feliz aniversário para mim.

As palavras deixaram minha boca com um tom bem amargurado e diminuindo as chances de eu conseguir segurar o choro por muito tempo.

Na minha cama tem uma caixa rosa com um laço enorme. Qual foi minha surpresa quando algo lá dentro começou a latir? Eu quase tive um infarto, quem colocaria dois cachorrinhos em uma caixa tão apertada? Por quanto tempo o deixaram ali?

"Feliz aniversário Alysson, te prometo que faremos o possível para que você se sinta bem nesta casa.
Com amor, Madson".

(...)

Meus olhos ardem com a claridade do quarto, demorou um tempo para me conceituar de onde estou.

—Bom dia! -Por impulso acabei indo para o outro lado da cama e acabei me desequilibrando, caindo no chão. —Você não ronca. -Adam está na minha frente e com um sorriso enorme.

—Você sofre de algum tipo de distúrbio? -Ele me encara com curiosidade e se joga na cama.

—Acho que não, mas eu nunca tive uma irmã antes, eu estou tão feliz com isso. -E realmente ele estava. Cada centímetro do seu rosto demonstrava isto. —Eu e você vamos para a escola amanhã e você irá adorar o uniforme, é bem mais bonito do que o da escola onde você estudava.

—Que bom.

Eu não conseguiria demonstrar muita empolgação, nem mesmo se eu quisesse, minha rotina de vida sempre foi baseada em levantar cedo e ir em silêncio até a igreja, todos faziam isso e falar durante um momento tão crucial era exatamente proibido, só voltamos a conversar no horário do café da manhã e olhe lá. 

—Ele deixa as meninas muito gostosas.

Demorei para assimilar sua frase, nem mesmo consegui formular uma resposta. Que tipo de criação deram a essa criança?

—Não se preocupe, com seu corpo e tamanho, não irá chamar a atenção de nenhum menino. -Ele sabe mesmo como animar uma pessoa.

—Adam… -Não tive tempo de dar continuidade a minha frase pois a Morte pula em minhas pernas e logo o outro cachorrinho faz o mesmo.

—Já deu um nome para eles? -Dou um sorrisinho para Adam e ele me olhou em expectativa.

—Morte é a fêmea, Satan é o macho. São tão fofos!

Talvez eu tenha escolhido esses nomes por birra, no fundo pode ser mesmo isso, mas a verdade é que eu não consigo pensar em nada bom desde que coloquei os meus pés dentro desta casa.

—Por que nomes tão "lindos" para esses cachorros? Eles ainda não são tão assustadores.

—Eu não consigo pensar em nada muito bonito quando estou quebrando aos poucos.

Assalto Onde histórias criam vida. Descubra agora