30 | Primula

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Eu sinto muito.

As palavras têm gosto amargo em minha boca, como se estivessem envenenadas. Talvez pelo meu próprio veneno, por ainda ter coragem de dizê-las, apesar de não ser merecedor daquilo que espero conseguir com elas. Mas ainda as repito, incessantemente, como se fossem a única coisa à qual posso me agarrar para continuar são, para que o sangue continue nadando pelas minhas veias, chegando até o peito e bombeando meu coração de forma que meu corpo, agora, esteja terrivelmente doloroso, mas ainda vivo. Ainda vivo.

Eu sinto muito, Jimin. Eu realmente sinto muito.

Eu tenho a impressão de ouvi-lo dizer meu nome, com todas as letras. Mas as sílabas saem abafadas, porque seu rosto continua esmagado contra o meu peito e meus ouvidos parecem não querer assimilar nada com clareza. Não é a primeira vez que isso acontece — o médico disse que é comum ter essas sensações no início do tratamento, e que eu deveria ser forte para aguentar até os efeitos colaterais diminuirem, daqui a, aproximadamente, três semanas. Então, eu aguento. Não por mim, mas pelas pessoas ao meu redor. Para não machucar mais ninguém.

Eu sinto muito. Não sei o que aconteceu, Jimin. A culpa é toda minha.

Tenho tido pesadelos também. Talvez piores do que os que eu estava acostumado a ter, porque, agora, eles são cobertos de imagens irracionais que me atormentam mesmo quando estou acordado, manchando a parte de trás das órbitas como se tivessem sido marcadas à ferro. Imagens de Jimin sangrando em meus braços, com o rosto deformado e meus dedos formigando, denunciando a culpa e o terror e o arrependimento. Denunciando tudo aquilo que mais temi acontecer no início do nosso relacionamento — seus ferimentos e sua dor sendo ocasionados por mim.

Não sou merecedor, mas ainda peço. Imploro. Suplico.

Eu sinto muito, Jimin. Por favor, me perdoe.

E suas mãos agarram o tecido da minha camiseta, na região da cintura, torcendo o material até que a roupa fique apertada contra o meu corpo. Quero pedir para que ele coloque os dedos debaixo da camiseta e acaricie minha pele, mas não mereço esse contato e não quero que minha voz diga nada além dos pedidos de perdão. Em algum momento, todavia, nem mais isso consigo dizer, porque os soluços se tornam tão fortes, com espasmos na garganta que fazem o músculo da língua doer em câimbra, que tudo o que sou capaz de fazer é chorar e apertá-lo contra o meu corpo.

Jimin também chora, porque posso sentir a umidade em meu peito, atravessando o tecido da camiseta e chegando até a minha pele. Sinto seus tremores, fora de ritmo ou ordem padronizada, mas fortes e frequentes. Pergunto-me se o rosto dele dói quando chora, por conta dos machucados, do mesmo jeito que o meu está doendo agora. Pergunto-me como tem sido sua recuperação nos últimos dias e se ele, em algum momento, pensou na possibilidade de não estar mais perto de mim. Não o culparia se tivesse pensado. Mas ainda doeria, então desejo, da forma mais egoísta que alguém poderia desejar, que isso nunca tenha se passado por sua cabeça.

Não sei quanto tempo passa até que as mãos de Jimin, enfim, parem de torcer minha camiseta, afastando meu corpo com calma e cuidado, desvinculando-se do abraço. Eu também afasto meus braços de seu corpo, usando os dedos para tentar limpar o excesso de umidade que cobre minhas bochechas, amolecendo as cascas dos cortes no rosto, que se formaram no processo de cura nos últimos dias, e fazendo a ardência voltar aos ferimentos.

— Jungkook... — sua voz vem frágil, trêmula, como se pudesse quebrar a qualquer momento. — Eu... eu queria ter vindo antes...

Ele não diz que não podia vir. Só que eu sei da verdade, porque nossos amigos estiveram me preparando diariamente, aos poucos, na última semana. No começo, não conseguia entender direito o motivo de eles sempre falarem tanto de Jimin, mostrando-me fotos ou vídeos. Já era difícil demais saber, pelo médico, que Jimin teria que ficar um tempo afastado em função da minha recuperação, então ouvir falar dele constantemente era como enfiar o dedo na ferida, cada vez mais fundo, tornando-a sempre mais dolorosa e ardente; só depois é que percebi que estavam me testando.

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