Capítulo 36 - Um retorno acalorado

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Um acampamento, uma manhã, uma fogueira, alguns animais mortos e suas adagas. Era tudo isso o que Loenna precisava para organizar seus pensamentos. Não estava acostumada a ser uma referência, a ter tantas pessoas que a amavam e que morreriam por ela e por seus ideais, ela era uma loba soturna que se acostumara a viver só. Estava muito feliz pelo progresso que tinha alcançado até então, jamais imaginara que poderia ser uma líder e, mais ainda, uma líder bem-sucedida; Alguns Eran haviam padecido, mais alguns Kantaa também, e cada dia mais ela tinha que se preocupar com a atenção que seu grupo estava levantando. Monvegar Eran estava atrás dela, ela sabia disso, e a simples possibilidade de que ele poderia encontrá-la e levar seus ideais às cinzas como os Kantaa uma vez fizeram a apavorava. Ela precisava de alguns minutos a sós para bolar estratégias e maneiras de sobreviver em meio ao caos.

Afiava suas adagas enquanto um veado cozinhava na fogueira e o crânio de Serpente repousava ao seu lado. Por vezes, ela chegava a conversar com ela, ainda que soubesse que ela não iria respondê-la. Desde que o roubara dos Kantaa, aquele crânio vinha sendo seu porto seguro; Sempre que se sentia angustiada, tensa ou preocupada, recorria a ele, como fazia com Serpente quando ela estava viva. Era uma maneira de sentir-se como se sua amada jamais a tivesse abandonado.

Eu sinto falta da época em que eu era apenas uma qualquer. Disse ela ao crânio inerte. — Sou muito orgulhosa de tudo o que eu e Fowillar construímos, de todos os ideais que conseguimos inflamar, mas ao mesmo tempo não sinto como se isso estivesse certo.

Sua pequena recordação da amada obviamente não respondeu. Mas Loenna sentiu um sopro vindo ao norte, quase como se ela quisesse dizer alguma coisa de algum outro lugar lá em cima. A garota sorriu; Acariciou o crânio de Serpente, já morta há mais de cinco anos.

Na verdade, eu sinto falta de quando eu tinha você. Suspirou. — Você e Quentin. Não tem sido a mesma coisa sem vocês dois, sabe? Por mais vitórias que eu possa obter, eu ainda me sinto derrotada. Derrotada de não ter sido capaz de salvar duas das três pessoas que mais me doeram a perda em toda a minha vida.

A fogueira crepitava ao fundo. O silêncio era cruel e plácido. O crânio parecia querer respondê-la de volta, quase como se a encarasse direto em seus olhos cor de âmbar.

Eu sei. Você iria querer que eu seguisse em frente. Loenna deu de ombros. — Queria que você visse tudo o que eu consegui fazer. As pessoas que eu consegui reunir, em nome de um único ideal. Você ficaria orgulhosa, Serpente, eu sei disso. Pena que... E mordeu os próprios lábios. — Pena que os Kantaa a tiraram de mim.

E sentiu seu corpo tornar-se pesado; A dor da perda era intensa. Se lembrava, com riqueza de detalhes, do dia em que os Kantaa a haviam partido para cima de sua mestre, cerca de trinta ou trinta e cinco homens musculosos contra uma única pessoa, como se isso fosse justo. Sim, certamente Serpente destroçaria um único homem que ousasse atacá-la, ou até mesmo dois. Mas três dezenas... Aquilo era um pouco demais até para ela, a lutadora mais extraordinária que Loenna já havia conhecido.

Tentou forçar um sorriso; Serpente iria querer vê-la sorrindo. Mas não era o momento propício, não para ela. Enfim, desistiu de fingir ter superado o seu passado e foi em direção ao veado que assava na fogueira. Estava com fome, já eram mais de 12 horas sem comer; Seu corpo doía tanto quanto o seu estômago.

Ao que Loenna deu a primeira mordida, sentiu um cheiro forte de cigarro invadindo suas narinas. Ela o reconhecia como ninguém, havia se habituado a ele nos últimos meses. No início, aquele odor a incomodava, mas agora não mais; Ao menos era um aroma familiar, de alguém que ela conhecia e que havia aprendido a confiar. Ele era a única pessoa que ela tinha, afinal.

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