5ºCapitulo

24.2K 1.5K 224
                                    

Dei voltas na cama a noite toda, sem sequer entender como tudo aquilo tinha acontecido numa questão de poucos momentos. Hoje fora um dos dias mais longos de que eu tinha memoria, e enquanto a minha cabeça relembrava a voz rouca e gasta pelo telefone eu quis gritar comigo mesma por não ter contrariado o acontecimento, eu fiquei calada quando o silêncio foi o suficiente para me pôr zangada e desligar o telemóvel, é claro que a seguir a isso houve uma descarga horrível de lágrimas, era um peso enorme na minha consciência e a sensação de estar a dar grandes passos em falso preenchia o meu peito.

Um das rosas rodava entre os meus dedos enquanto a luz da cidade lá fora penetrava na penumbra. Nenhuma daquelas rosas tinha picos, na realidade cada uma delas parecia mais artificial que a outra, o seu odor nem era sequer verdadeiro, tudo naquilo suava a falso, a mentira.

E se me perguntassem o que fiz durante toda aquela noite eu responderia apenas que apesar de tudo, o que ele estava a fazer era avisar-me. De manhã eu pude ver claramente a chama zangada nos seus olhos, o Harry continuava o mesmo homem que eu tinha deixado, mesmo na rua apinhada de gente ele controlava a atmosfera. Então se o Harry não vinha pelas melhores razões, ele estava pelo menos a dar-me um aviso daquilo que eu podia esperar.

Mentiras.

De manhã quando acordei as rosas estavam espalhadas pelo chão do meu quarto, as três, eu devia tê-las atirado ao chão enquanto dormia, e quando passei por elas decidi nem olhar na sua direção. O que a minha mãe disse batia na minha mente adormecida. Eu apenas tinha que me recordar de tudo aquilo que tinha conseguido, de tudo aquilo que consegui assim que experimentei alguma liberdade.

Quando abri a porta para a sala os meus olhos devem ter saltado das orbitas, Ave estava gloriosamente nua por debaixo de um moreno musculado, ambos adormecidos no sofá, provavelmente ela, ou ele teria dado aquela desculpa de "acordamos antes dela se levantar" mas toda a gente sabe que esse tipo de desculpa nunca funciona.

Tentei fazer o mínimo barulho possível, mas precisava de chá e tostas e ambas as coisas são barulhentas de se arranjar, então assim que poisei o saco das tostas no balcão a Ave mexeu-se, e a seguir para seu horror e meu grande divertimento percebeu no que se tinha metido. Acenei-lhe do meu lugar no balcão, agradecendo o facto de as costas do sofá taparem os corpos nus no nosso sofá.

-Merda.- Praguejou baixinho e escapuliu-se de debaixo do moreno que segundo me lembro era Paul. Arrancou uma manta do lado do sofá e embrulhou-a á sua volta andando até mim.

-Não te passes ok?- Eu queria literalmente rir na cara dela, principalmente por ela achar que eu ficaria chateada, chocada, mas não chateada, o apartamento era tanto dela como meu.

-Tudo bem, apenas cobre o pobre rapaz, eu preciso de estar na universidade ás nove para saber as médias dos exames finais.

-Boa sorte.

-Para ti também.- Ri-me e ela agarrou numa tosta pequena e mandou-a contra mim enquanto eu ria mais alto do que seria desejado.

Enquanto subia as escadas até perto do auditório senti o meu estomago revolver-se numa poça de nervos, e não pelos exames, pelo simples facto de a resposta á pergunta do Harry ainda voar á volta da minha cabeça, era mais que obvio que eu não queria ir jantar com ele, bom talvez eu quisesse, mas em circunstâncias, não três anos depois, não com a minha vida já estabilizada, não com uma culpa que me pertencia, porque no fundo o que eu fiz foi digno de julgamento, mas não de vivência, ninguém esteve lá a viver o que eu vivi.

Dei um passo atrás e apertei a alça da mochila com força quando um homem saiu com alguns papeis e os começou a afixar, lentamente. Havia um multidão de alunos ansiosos á minha volta e á medida que se iam percebendo as notas havia exclamações de desagrado, de contentamento e quando finalmente cheguei perto o suficiente a minha cara tinha-se rasgado em dois.

Vision 3 - The SentenceOnde histórias criam vida. Descubra agora