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Acordei no outro dia com a minha avó acariciando o meu rosto. Ela sorriu quando abri os olhos. “Boa tarde, minha pequena”.

“Boa tarde, vovó”. Respondi com o meu português meio ruim. “Que horas são?”.

“Quase duas da tarde. Eu fiquei preocupada, você parecia que não iria acordar nunca”. Ela disse, se levantando. “Por que não se levanta e almoça? Fiz uma coisa que você adora quando está aqui”.

Sentei-me na cama, me sentindo um pouco tonta. “Não estou com fome”. Respondi, colocando os meus pés pra fora da cama.

“Você ficará doente assim e eu não vou deixar que fique doente em minha casa. O que Fátima iria dizer de mim? Que sou uma péssima vó? Venha, meu amor. Coma ao menos um pouquinho para não ficar passando mal depois”. Pediu ela carinhosamente.

Resolvi fazer o esforço pela minha vó Lia. Levantei-me e fui para a cozinha, com a branquinha no meu encalço. Sentei-me e minha vó me serviu de guisado de bode. Realmente, eu gostava muito desse prato. Mas desta vez, apenas belisquei, sentindo-me nauseada. O meu estomago parecia que iria sair pela minha boca.

“O seu pai foi no supermercado”. Informou vovó. Porém, dei de ombros, não me importava com ele.

Minha vó ficou me observando. Provavelmente, olhando as marcas de cinto pelo meu corpo e minhas olheiras profundas. Nenhum momento, ela tinha me questionado de algo. Mas acho que ela estava achando que o seu filho era um doido. Quem era que arrastava a sua filha no meio do ano letivo para afastá-la de uma namorada? Tinha que ser um doido mesmo!

“Não vai comer mais?”. Questionou-me vovó ao ver que deixei quase a comida toda.

“Estou satisfeita. Obrigada vovó. Estava uma delícia”. Respondi, já saindo da cozinha.

“Aonde vai, Juliette?”.

“Dormir. Estou com sono”.

Voltei para a sua cama. Não me preocupei em tomar um banho e muito menos em fazer a higiene pessoal. Eu não conseguia pensar em nada de bom. Tudo estava sem brilho, sem cor, sem gosto. Eu me sentia uma intrusa dentro do meu próprio corpo. A única coisa que eu queria era morrer. Fechei os meus olhos e pensei em Sarah, sentindo-me mais triste ainda. Sentia tantas saudades e sabia que nada iria suprir isso. Aos poucos fui envolvida pelo sono, mas antes de dormir completamente, senti uma quentura de uma bola de pelos que se encostou à minha barriga. Voltei a abraçar a  branquinha.

Acordei novamente com a minha avó com muito custo abri os meus olhos. Inicialmente minha visão ficou embaçada, mas logo vi o sorriso lindo da minha avó. “Minha querida. Os seus primos vieram lhe ver. Não que ir tomar um banho e ir recebê-los?”.

“Não”. Eu respondi com um gemido angustiado. “Estou com sono, vovó. Deixe-me dormir, por favor,”. Pedi, virando-me para abraçar o travesseiro.

Vovó ainda ficou uns minutos me olhando e com um suspiro resignado, levantou-se da cama e saiu do quarto. E eu? Voltei a dormir.

“Querida. Acorde!”. Escutei a voz da minha avó um pouco distante, mas logo foi ganhando força. Ela estava me balançando. “Juliette!”.

“Hum?”. Respondi um pouco confusa, sentindo-me fraca para abrir os olhos.

“Faz três dias que você está nessa cama. Levante-se”.

“Não quero... Eu ainda estou com muito sono”. Choraminguei, querendo voltar a dormir. Porém, minha avó tinha outros planos para mim.

“Ao menos, tome um banho e coma alguma coisa. Eu quero trocar os lençóis da cama e sinto informar, mas você está fedendo”.

Abri os meus olhos. Sentindo toda dor que eu estava evitando me atingir. Levantei-me e fui para o banheiro, parecendo uma múmia. Olhei-me no espelho. Os meus olhos estavam tão inchados que pareciam duas bolas. Retirei a minha roupa e entrei debaixo do chuveiro. Toda essa situação estava sendo incomoda demais para mim. Quando a única coisa que eu queria era dormir.

Terminei o meu banho, me enrolei na toalha e fui para o quarto. O Enrique estava sentado, assistindo televisão. Não me dei o trabalho de falar com ele. Minha avó tinha terminado de trocar os lençóis. Constatei pela primeira vez que era noite.

“Antes de você voltar pra cama. Poderia comer um pouco? Fiz um sanduíche para você”. Ela pediu com olhos preocupados.

Apenas balancei a cabeça em positivo. Troquei de roupa e fui para a cozinha. Onde dei apenas algumas mordidas no sanduíche, tomei um pouco de suco e voltei para cama... Apagando em seguida.

Acordei umas horas depois com a minha avó. Desta vez, ela não estava me chamando, mas tomando um comprimido que estava em cima de sua cômoda. Ela já estava trocada de roupa e vestia uma camisola. Vovó colocou o copo em cima da cômoda e deitou-se. Fazia três dias que eu estava na casa dela e nem sabia que ela estava dormindo ao meu lado.

Ela sorriu ao me ver acordada. “Sua mãe ligou hoje... Ela queria muito falar com você, parece que um amigo seu o.. Gi. ...Gil ...”.

“Gilberto”. Eu falei.

“Sim. Esse mesmo! Estava com ela e queria saber como você estava. Porém, te chamei, mas você não acordou”. Ela nos cobriu.

Sinceramente? Eu não estava com interesse de falar com ninguém. Não por hora. “Que remédio era aquele que você tomou?”.

“Ah... É clonazepam. É para dormir. Você sabe que tenho insônia crônica”.

Apenas balancei a cabeça e fechei os meus olhos. Minha avó me puxou para os braços dela e ficou acariciando os meus cabelos. Lágrimas silenciosas escorreram pelos meus olhos. Dormi sentindo o doce carinho de minha avó.

“Essa menina está depressiva, Enrique! Como você não consegue enxergar isso?”. Gritou a minha avó. Acordei com esse grito, ela parecia estar discutindo com o meu pai.

“Isso é frescura dela! É uma cena! Ela deve achar que vai me comover dessa forma. Mas não vai! Se ela quer dar uma de depressiva, que dê! Mas não irei mudar de ideia e nem voltar para Rosewood”. Afirmou Enrique com voz chateada.

“Oh meu Deus. Como você consegue ser cabeça dura desse jeito? Ela não está fingido. Faz uma semana que essa menina dorme praticamente o tempo todo. Se eu não acorda-la, ela nem tomaria banho e nem comia! Não viu como ela emagreceu?”. Perguntou a minha avó com voz angustiada.

“Repito: Isso é frescura dela! Ela está colhendo o que plantou. E não me encha mais com isso. Vou dar uma andada por aí”. A próxima coisa que escutei foi o estrondo da porta se fechando.

Abri os meus olhos com angustia. O meu corpo estava mole e minha mente estava um pouco apavorada. Enrique ia me manter para sempre aqui! Eu não posso mais suportar isso. Não posso suportar ficar mais longe de Sarah. Passei maior parte do tempo dormindo, porém, quando minha mente ficava lúcida, parecia que eu iria me rasgar em duas.

Coloquei a mão no peito. Sentindo a dor tão rotineira. Eu não queria mais sentir essa dor. Senti-me desesperada. Eu queria fugir. Mas para onde? Sentei-me na cama. Eu parecia não suportar mais nem o peso dos meus ombros. Eu só queria sumir. E foi com esse pensamento que peguei a caixa de remédio controlado de minha avó...

Como Tudo Aconteceu • ADP - SarietteWhere stories live. Discover now