Capítulo 52

156 26 2
                                    

Depois de voltarmos para casa e enrolarmos Dean para não ter que tocar no assunto da minha não-gravidez de novo, comemos o bolo que ele tinha feito pra mim. Me esforcei para não deixar que ele percebesse que havia algo errado e que estávamos estressados com a falta de respostas e de saída.

No outro dia, ainda de madrugada, me levantei cedo, como já fazia há alguns meses, tomei um banho gelado e me preparei para mais um dia de missões, prendendo meus cabelos em um coque firme, vestindo meu ''uniforme'' e minhas botas.

Gabriel até tinha tirado sarro quando eu vesti o longo vestido negro pela primeira vez. Só de raiva eu comprei mais seis vestidos do mesmo modelo e cor. Um cinto largo da mesma cor em minha barriga mantinha o vestido menos solto. Ele se estendia quase até meus pés, e as mangas eram longas quase até os pulsos, apesar de serem largas e mais soltas, como as de padres e freiras. Eu aproveitava a folga do tecido para prender uma adaga no meu antebraço, que podia passar despercebido.

De fato, minha intenção era essa mesmo me passar por algo parecido com uma freira. Aparentar ser um membro do clérigo facilitaria meu trabalho de me aproximar das pessoas para ajudá-las, motivo pelo qual eu usava uma corrente com uma cruz de prata bem à mostra. Obviamente, nem sempre as pessoas aceitavam ajuda, mas era normal terem desconfiança.

Eu começava com os hospitais. Visitava pacientes em recuperação e os abençoava e distribuía café e sanduíches para parentes de pessoas internadas que esperavam por notícias de melhora de seus entes queridos.

Em seguida, rumava para uma igreja onde ajudava como voluntária, levando comida para ser distribuída aos moradores de rua.

Assim que me viu entrar, padre Kellan, um amável senhor já grisalho, que lutava para não fechar as portas daquela pequena e velha igreja, abriu um sorriso.

– Bom dia, minha filha! Chegou cedo hoje!

– Bom dia, padre – me aproximei, beijando sua mão. – Eu não consegui dormir muito essa noite – dei de ombros.

– Problemas em casa?

– Não – suspirei. – Problemas na minha cabeça.

Ele me olhou com seriedade.

– Sua fé está se abalando?

Desviei o olhar, assentindo.

– Sente-se – ele me indicou um dos bancos da igreja. – O que está acontecendo?

Era difícil falar sobre aquilo, de verdade, mas Gabriel não dava as caras há muito tempo e eu estava cansada de rezar para o nada. Padre Kellan, antes de se tornar um padre, fora caçador por um tempo. Ele entendia bem as complicações daquela vida.

– Meu cunhado e eu... Estamos procurando há meses por uma forma de salvar o meu marido... Mas me parece que quanto mais nós procuramos, menos as respostas querem aparecer. Eu tenho rezado todos os dias e não vejo como salvá-lo.

– Filha... – ele suspirou profundamente, e eu sentia que ele estava tentando me dar uma resposta positiva, ao mesmo tempo que queria ser honesto. – Em todos os meus anos, como caçador e como padre, nunca ouvi falar de nenhuma forma de quebrar um pacto tão bem amarrado quanto esse.

– O senhor acha que o fizeram sem brechas de propósito?

– Acho – ele assentiu. – E acho que o Inferno quer muito o seu marido para usá-lo para fins malignos. A meu ver, mesmo que por algum milagre seja possível salvá-lo, seu cunhado não vai viver por muito tempo. Os demônios, minha filha, são traiçoeiros, e vocês três amam as coisas certas, são boas pessoas. Esses seres sem luz se divertem tentando fazer pessoas como vocês se tornarem monstros como eles. Mas mantenha a fé, minha filha. Sua fé pode lhes ajudar a vencer essa batalha.

– Espero que sim, padre.

Mas a verdade era que minha fé em nossa vitória se esvaía a cada minuto. Quando Gabriel mencionara que o padre Kellan precisava de um pouco de ajuda divina e se encarregou de me fazer voluntária ali, algum tempo após meu casamento, imaginei que seria um teste rápido, mas quatro meses haviam se passado e eu continuava ali, ajudando o padre como voluntária nos afazeres da igreja, e nada de Gabriel dar as caras de novo.

Se aquele arcanjo safado havia se encontrado com Sam naquele meio tempo, nenhum dos dois me deixou ciente e nem compartilharam informações relevantes.

Depois de distribuir o café da manhã aos moradores de rua que costumavam ir à igreja, a varri totalmente enquanto o padre organizava o altar, e então comecei a varrer as folhas do lado de fora. Era outono e elas estavam em todo o lugar, especialmente porque a igreja estava cercada de árvores, o que seria ótimo no verão.

Já passava das cinco da tarde quando havíamos deixado tudo em ordem e atendido os poucos fiéis que frequentavam a igreja.

Me despedi do padre e caminhei de volta para casa, pensando no que mais poderíamos fazer para encontrar respostas. Bobby também estava pesquisando coisas para todos os lados e nada, ao mesmo tempo em que também estava nos ajudando a procurar pela ladrazinha das mãos leves.

– Amor, cheguei! – disse ao abrir a porta, logo sentindo cheiro de comida.

– Oi, benzinho! – Dean saiu da cozinha, me recebendo com um beijo. – Como foi o seu dia?

– Ah, nada de mais aconteceu – dei de ombros, entrelaçando meus braços em seu pescoço. – E o seu?

– Sam tá pesquisando umas coisas agora. Temos um caso.

– É?

– É, sinais do demônio apontando pra uma cidade que teve uma morte bem estranha e sem explicação.

– Quando vamos?

– Vai vir com a gente? – perguntou surpreso.

– É claro. De jeito nenhum vocês dois vão resolver casos sem mim de novo.

– Mas e o padre Kellan?

– Ele vai sobreviver se passar uns dias sem mim. Ele sabe se proteger.

– A gente também sabe, ué.

– É, mas com a Lilith por aí, sem chance de vocês ficarem sozinhos.

– Tá bem. Vou fazer as malas.

– Beleza. E eu vou pro banho – o beijei rapidamente antes de me afastar.

Um banho quente para os músculos era tudo o que eu precisava, mas parei a caminho do chuveiro, surpresa com a minha aparência no espelho. Eu estava com olheiras fundas e meus cabelos estavam caindo mais.

Milagres tinham um preço.

E ultimamente eu estava curando muitos enfermos. Estava ficando mais cansada. Eu precisava de vitaminas.

Quando saí do banho, ainda me secando, percebi Dean parado à porta, segurando algo. Segurando a caixa com o teste de gravidez.

– Tem alguma coisa que queira me contar?

– Não – suspirei.

– Bella...

– Devia perguntar ao Sam. Isso foi coisa dele.

– O Sam te mandou fazer um teste? – arqueou as sobrancelhas.

– É, ele tava convencido de que eu estava grávida, mas, como eu já disse várias vezes, é só cansaço, estresse e demônios – dei de ombros.

– Imaginei que fosse – ele se sentou na cama, ainda me olhando.

– Tudo bem? – me virei para ele.

– Sim, tudo. É só... Fico pensando nessa possibilidade às vezes. Se você... Engravidasse e eu não estivesse aqui. Isso me assusta. Saber que não estaria aqui pra proteger vocês.

– Não se preocupa com isso – me aproximei, colocando as mãos em seus ombros. – Não tem bebê nenhum. E quanto ao Sam, não esquenta, não. Eu vou cuidar dele.

– Eu sei que vai – ele encostou a cabeça à minha barriga, me abraçando. – Eu só... Eu não quero morrer.

WaywardOnde histórias criam vida. Descubra agora