Capítulo 60

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O pit bull infernal avançou primeiro para o meu tornozelo, me mordendo e me puxando para longe dali.

Eu me debatia e o chutava como podia, me agarrando ao que estivesse no caminho para que ele não me levasse pra fora de casa.

Puxei a toalha de mesa, derrubando o que estava em cima dela, e com isso, conseguindo uma faca de cortar bolo.

Não perdi tempo em começar a esfaquear o desgraçado. Eu não queria tocá-lo, mas eu precisava fazer. O esfaqueei algumas vezes, sentindo-o morder meu pé com ainda mais força e começar a rasgar meu tornozelo e então decidi arriscar minhas mãos para afastar sua boca.

E, graças a Deus, ele também se feria quando eu o tocava.

Eu nunca imaginei que um cão do inferno fosse tão feroz. Mesmo sentindo dor, ele continuava insistindo em me atacar. Eu o esmurrava com todas as forças que me restavam enquanto ele tentava morder minhas mãos, ferindo os meus braços.

Deus, por que nos abandonou?! Não fomos leais o suficiente?! Não sofremos o suficiente?! O que mais você quer de nós para ter piedade da gente e nos ajudar?! O que eu tenho que fazer para sobrevivermos?!

Naquele momento, enquanto tentava segurar as mandíbulas do cão infernal, arriscando minhas mãos, eu era puro medo.

Medo de ir pro inferno, medo de morrer, medo de perder o Dean.

Não havia nenhum anjo ou arcanjo pra nos defender.

Não havia Deus.

Não havia nada.

Só tinha eu ali.

Eu era a única que podia fazer alguma coisa e eu não sabia como.

Eu precisava acreditar em mim. Eu precisava acreditar na minha força. Eu precisava acreditar que a nossa causa era justa e que nós estávamos do lado certo: o nosso lado.

Então que fosse.

Se Deus não estava disposto a levantar a bunda do sofá pra nos ajudar, que fosse eu, então.

Algo queimou em meu peito como se o sol estivesse nascendo em mim. Não era como Castiel, sua luz de antes. Não, não era coisa de anjo.

Era fúria.

Uma fúria feroz e incontrolável que me fez gritar enquanto se apossava de mim, me inebriando com uma intensidade absurda.

As mandíbulas do cão do inferno, que eu estava segurando, se tornaram fáceis de quebrar. Eu o rasguei da boca até o estômago, seu fedor de enxofre não me afetando mais como antes.

Me levantei rapidamente, puxando o cão do inferno de cima de Dean e desferindo golpes em sua cabeça até que ele estivesse em frangalhos.

Então me virei para Lilith, e pela primeira vez, vi medo em seus olhos.

Posicionei meu braço para dar um golpe certeiro e arrancar seu coração para fazê-la engolir aquela porcaria, mas a desgraçada correu de dentro daquele corpo antes que eu tivesse a chance de impedi-la.

Outros demônios apareceram atrás de mim, e eu comecei a atravessar meus punhos em seus peitos.

Ascendam para o Céu! – ordenei às almas humanas que se desconectavam de seus corpos conforme eu matava demônios.

Eu não via nada além de coisas para matar. Não via os humanos, só via os demônios, e os via ainda mais claramente que antes, mais nitidamente, e conseguia distinguir a presença de cada um deles ali.

De um por um, todos que estavam escondidos vieram atrás de mim, pois a água benta não estava mais molhando o gramado do jardim.

E quando algum tentava fugir, eu o alcançava rapidamente e o exterminava como o verme que era. Eu não deixei nenhum demônio escapar.

Nenhum correria para os braços de Lilith, e nem para o Inferno.

Apaguei todos eles da existência.

– Filha?

Ouvi a voz de Bobby e me virei para vê-lo. Ele parecia assustado com alguma coisa.

Assustado... Comigo?

– Você tá bem? – ele se aproximou.

Eu apenas assenti. Então me lembrei.

– Dean.

– Bella, espera!

Eu não podia esperar. Corri de volta para dentro, vendo o rastro de sangue pela casa. E quando encontrei Sam, segurando Dean em seus braços, eu caí de joelhos, o chão sob meus pés ruindo.

Dean estava retalhado.

Havia sangue para todos os lados e Sam chorava copiosamente.

Eu não conseguia chorar. Era como um pesadelo, um longo, cansativo e estressante pesadelo. Fechei meus olhos por um momento, desejando com todas as forças que aquilo fosse acabar quando eu abrisse meus olhos.

Mas as coisas continuavam as mesmas quando eu os abri.

Não. Não pode ser. Eu matei o cão do inferno. Não era pra isso ter acontecido.

O que aquilo deveria significar?! Que todo o nosso esforço foi pra nada?! Que desde o início nunca houve uma forma de realmente salvar o Dean?!

Pra que diabos eu servia, então, se não podia sequer salvar a vida do homem que eu amava?! Pra que eu estava viva, afinal?!

– Meninos, nós precisamos ir antes de alguém acionar a polícia. Precisamos tirar o Dean daqui.

– Ai, meu Deus – ouvimos uma mulher às nossas costas.

Era a mãe da garotinha possuída por Lilith.

– Meu Deus, eu sinto muito.

É, eu também.

– Sei que é pedir demais, mas você teria um lençol que possamos usar para tirar ele daqui? – Bobby perguntou.

– Tenho sim, me dê um minuto.

– Sam – o chamei, no que ele me olhou ainda chorando. – As chaves, por favor. Eu vou trazer o carro.

Ele tirou as chaves do bolso e me entregou, e eu me levantei e comecei a andar, mais por reflexo do que por vontade própria.

Precisei caminhar por um bom tempo até avistar o Impala estacionado atrás do carro de Bobby. Abrir a porta do motorista foi uma tarefa quase impossível, mas o pior era ter que me sentar naquele lugar. Aquele lugar não era meu, era dele.

E pensar que ele não se sentaria mais ali me fez chorar como uma criança.

Imaginar que naquele momento ele estivesse no inferno, sofrendo, era insuportável. Eu odiava aquilo. Odiava ter sido fraca, odiava não ter poder de impedir aquilo.

Minhas mãos tremiam enquanto eu ligava o carro e começava a dirigir até a frente da casa dos Fremont. Saí para abrir as portas traseiras quando vi Sam e Bobby trazendo o corpo de Dean envolto em um lençol preto. Eles o deitaram no banco, fechando as portas. Nos entreolhamos.

– Não podemos ir para Lawrence com o corpo dele no carro – Bobby suspirou. – Eu sei que isso é muito chato, eu sinto muito, mas vamos ter que enterrá-lo em outro lugar.

Entramos no Impala. Sam na direção e eu ao seu lado, e seguimos Bobby para fora da cidade. Eu queria estar em qualquer lugar, menos ali. Não trocamos nenhuma palavra durante o trajeto. Fomos até Pontiac, Illinois, onde Bobby disse ter um amigo que levaria um caixão para podermos enterrar o Dean, já que não queríamos cremá-lo, algo que ele não apoiava muito, e assim foi feito.

Limpamos o seu corpo como podíamos, tirando o sangue de seu rosto, fechando seus olhos. Trocamos suas roupas antes de colocá-lo no caixão de pinho. Sam deixou um isqueiro com ele.

Olhei para ele uma última vez antes de colocarmos a tampa no caixão e o enterrarmos. Pensei em fazer uma oração... Mas não sabia qual seria o sentido de uma, se não tinha ninguém pra ouvir.

Não tinha ninguém para olhar por nós.

WaywardWhere stories live. Discover now