Capítulo 1

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Tento me manter o mais quieta possível, mas é difícil ficar quieta sabendo que não conheço ninguém aqui. Vejo os alunos entrando, tomando seus lugares, ouço as conversas, as risadas e as trocas de cochichos.

Antes eu tinha um círculo de amizade, conhecia as pessoas e me sentia à vontade para fazer fofoquinhas com minhas colegas, mas esse lugar e essas pessoas são completamente diferentes.

Mudar de faculdade não foi uma decisão fácil, mas foi minha melhor opção, eu jamais iria desistir do meu sonho de ser médica. Jamais desistiria do meu sonho de ajudar grávidas negligenciadas por médicos mesquinhos. Eu jamais desistiria de fazer a diferença, principalmente por minha mãe.

Minha mãe que sempre foi uma mulher amável e sensível, teve seu pior momento no lugar que deveria ter sido bem atendida e acolhida de braços abertos. Nesse dia, 5 anos atrás, quando perdi minha mãe por negligencia, jurei fazer a diferença, e, é o que vou fazer.

Custe o que custar.

— A pior aula com o melhor professor.

Uma das meninas cochicha com a amiga atrás de mim.

— Anatomia avançada. Eu bem que gostaria de estudar anatomia avançada com o professor.

As duas ficam rindo baixinho e trocando amenidades enquanto a sala se enche aos poucos. Decido repassar os pontos mais importantes da anatomia, anotando as principais divisões anatômicas e tudo o que eu puder lembrar antes da aula começar.

— Bom dia. —A voz grave ressoa da entrada da sala.

Todas as conversas param, os ruídos acabam e o silêncio é predominante no local.

Um 'bom dia' suave e em coro ressoa pela sala.

Continuo minhas anotações para não perder a linha de raciocínio. Em poucos minutos o professor vai começar a falar e eu não vou conseguir mais me concentrar nesse tópico.

— Hoje teremos um aluno novo e muito especial. —A voz grave ressoa por todos os cantos.

Ele está falando de mim?

Levanto meus olhos e encaro o homem todo vestido de preto. Por um momento entendo perfeitamente o que as meninas falaram sobre estudar anatomia com ele.

Ele é alto, tem os olhos tão escuros quanto a noite. A barba bem aparada cobre boa parte do rosto e os cabelos brilham, os poucos fios brancos dão um charme completamente perfeito a ele. Ele parece ter saído de um conto de fadas, mas não como o mocinho, com esses olhos escuros e observadores, ele parece o vilão perfeito de qualquer conto.

Por um breve momento seus olhos cruzam os meus, ele inclina a cabeça de lado e sem tirar os olhos dos meus fala.

— Parece que são dois alunos novos. —Ele inclina o queixo na minha direção. – Você. Nunca te vi antes. Qual o seu nome?

— Seher. —Falo quase engolindo a palavra. – Vim transferida, vou concluir o curso aqui. É meu primeiro dia. Eu vim de...

Ele não permite que eu continue falando, simplesmente levanta a mão, me interrompe e fala.

— Você precisa do conteúdo que estudamos até aqui, não vou voltar aulas para que você se beneficie. Sugiro que pegue o conteúdo com alguém e estude. Vou te avaliar separadamente na próxima semana. Caso não me agrade, vai precisar procurar outro curso que não seja o de medicina. Não aceito que meus alunos tenham um conhecimento medíocre. —Ele vira em direção a porta e me ignora completamente. —Agora vou apresentar a vocês o aluno especial que mencionei. —O professor dá um passo em direção a porta e estende a mão. – Yusuf?

Um menininho lindo de cabelos cacheados, vestindo terno e gravata borboleta entra na sala de aula. Seu rosto redondo demonstra uma felicidade contida ao segurar a mão estendida do professor.

— Yusuf vai participar da aula hoje. Conto com a colaboração de você. —O professor se abaixa do lado do menino, passa a mão nos seus cabelos e rosto. – Você quer se apresentar e dizer por qual motivo está aqui.

Ele concorda com a cabeça.

— Eu sou Yusuf Kirimli. Minha lição da escola é acompanhar meu pai no trabalho dele por um dia.

— Pai? –Alguém sussurra perto de mim.

— Eu também entendi pai.

— Sim, ele disse pai. —As duas fofoqueiras atrás de mim parecem estar em choque.

— Muito bem. Vamos começar.

A aula começou e me vi perdida em tantas coisas para estudar, o professor realmente não pega leva com ninguém, a lousa é preenchida e apagada diversas vezes por desenhos, anotações, tópicos e inúmeros termos médicos que ainda não estou afeiçoada.

Ele fala sem parar, mas seus olhos estão sempre vigilantes sobre o menino que balança seus pés na cadeira grande demais. O professor pega algumas folhas na pasta e entrega ao menino que sorri. Ele dobra de um lado, dobra do outro, puxa, torce e no fim não consegue o que queria. Ele descarta a folha dobrada e parte para próxima. As horas passam em um piscar de olhos e os alunos saem em debandada ao final da aula, todos agitados, fazendo planos, falando sobre a aula e sobre o filho do professor que nem sabiam existir até o dia de hoje.

Assim que consigo sair da sala, vejo o menininho sentado no banco em frente a porta, ele tem uma folha toda dobrada nas mãos. Não sei se ele está entediado ou triste.

— Oi. Yusuf, né? Sou Seher. —Sento ao seu lado. – Gostei da sua gravata.

— Oi, gostei do seu nome. —Ele toca na gravatinha. — Eu queria ficar elegante igual meu pai. Mas ele não gosta de gravata

— Você está muito elegante. Ficou muito bem.

Ele encara a folha amassada e suspira fundo.

— Eu não consigo lembrar como faz.

— O que você não consegue lembrar?

— Barco de papel. Eu não consigo lembrar como faz. –Yusuf amassa a folha e enfia no bolso.

— Vou te ajudar. —Enfio a mão dentro da bolsa e arranco uma folha do caderno. —Eu tenho uma irmã quase do seu tamanho, ela adora brincar com barquinhos e aviões de papel, então sou muito boa fazendo isso.

Yusuf acompanha com atenção cada detalhe, cada dobra e sorri encantado ao final do processo. Seus dedinhos seguram o barquinho de papel com muita delicadeza.

— Muito bonito. Obrigado.

— Se precisar de ajuda é só me chamar. Com mais tempo posso te ensinar a fazer pássaros e dinossauros de papel, eles ficam lindos em folhas coloridas. —Acaricio os cabelos cacheados do menino sorridente.

— Seher pode me ajudar com um barco maior, pai? —Yusuf olha por cima da minha cabeça, para alguém que está atrás de mim.

Assim que viro, vejo o professor, ele me encara de cima, parecendo um gigante com olhos escuros.

— Nós estamos atrasados. —Ele estende a mão para o menino que segura de boa vontade.

— Tchau Seher, até mais. 

SEGUNDA CHANCEWhere stories live. Discover now