Capítulo 58

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SEHER

Antes de subir as escadas e ir até Yaman, paro para pensar em todas as coisas que falei e na forma que acabei de trata-lo. Um sentimento de culpa toma conta de mim, ele não merecia ouvir todas aquelas coisas, ele só tentou ajudar, ao ponto que todos os outros médicos já haviam desistido, sem nem mesmo dar uma chance.
Mas agora não é hora para me sentir culpada ou magoada, agora é hora de pedir desculpas e assumir meus erros, dessa vez sem pôr a culpa nos hormônios.
Subo as escadas de dois em dois degraus, rezando para que Yaman aceite me ouvir, pelo menos vou fazer o possível para que ele me ouça e o impossível para que ele me perdoe, sei que vai ser difícil, mas ainda assim é o que vou fazer.
Assim que chego no corredor, vejo que a porta do escritório está aberta e a luz ligada, me aproximo mais alguns passos e posso ouvir que Yusuf e Kevser estão conversando com Yaman.
— Grandão, porque você está tão triste?
Avanço mais alguns passos até conseguir ver os três. Eles estão sentados no sofá, Yusuf deitado com a cabeça na perna do pai e Kevser sentada no colo de Yaman que acaricia e abraça os dois.
— Eu não estou triste e vocês não têm que se preocupar com coisas de adultos, vocês dois são pequenos demais para terem qualquer tipo de preocupação. -Yaman abre um sorriso fraco que não convence nem mesmo as crianças.
— Mas eu me preocupo com você, não quero que fique doente outra vez, senti muita saudade quando você ficou no hospital. -Kevser enfia uma das mãozinhas na barba de Yaman e fica mexendo os dedinhos, fazendo carinho. — Sabia que Yusuf e eu conversamos com o meu papai sobre você?
— É mesmo? O que vocês falaram?
— Contei que você é um grandão muito bom, que gosta de mim, que arruma meu cabelo melhor que a Seher, que me ajuda com as tarefas da escola e sempre está perto quando eu preciso. -Ela encosta a cabeça no ombro de Yaman e suspira. — Meu grandão especial.
— Quando a gente ama muito alguém, podemos fazer qualquer coisa por essa pessoa. Por isso eu faria qualquer coisa por você. Assim como faria qualquer coisa por Yusuf e pela Seher.
— Eu faço qualquer coisa pela minha família. -Yusuf levanta a cabeça e encara o pai com um sorriso nos lábios. — Vou defender todo mundo quando for grande e forte como você, pai. Ninguém vai fazer mal a minha família.
— Tenho certeza que você vai ser um homem incrível, Yusuf. -Yaman esfrega os cabelos do menino que sorri. — Mas preciso que preste atenção em mim. Você não vai passar por cima de ninguém, jamais vai ser maldoso e em hipótese alguma vai fazer mal a qualquer pessoa. Você precisa defender sua família, mas vai fazer isso sendo uma pessoa boa e honrada. Combinado?
— Combinado. Igual você, pai. Quero ser igual você. -Yusuf volta a deitar sobre a perna de Yaman. — Mas eu vou ser maior e mais forte.
— Grandão? -Kevser aperta os dedinhos com nervosismo.
— Aconteceu alguma coisa? -Yaman inclina a cabeça para frente e segura o rostinho de Kevser entre as mãos, mas ela baixa os olhos.
— Será que... Será... Eu...
— Kevser? -Yaman chama e ela levanta os olhos que brilham por lágrimas não derramadas. — Meu amor, o que aconteceu?
— É que eu queria que você fosse meu pai grandão.
— Seu pai? -Yaman seca a lágrima que escorre pelo rosto de Kevser. — Você quer que seja seu pai?
— Sim. Você pode ser meu pai grandão. Meu pai dois.
— Claro que ele quer ser seu pai. -Yusuf pula do sofá e praticamente quica de felicidade ao olhar os dois. — E A SEHER VAI SER MINHA MÃÃÃÃE.
— Mas é claro que eu quero ser seu pai, meu amor. -Yaman passa os dois braços em volta de Kevser e a aperta com força.
Yusuf pula para o abraço aberto de Yaman e os três ficam assim por um longo tempo até que finalmente entro no escritório.
As crianças viram na minha direção, diferente de Yaman nem ao menos levanta os olhos para mim.
— Seher. Você sabe que agora o grandão também é meu pai? -Kevser abraça Yaman mais uma vez, então desce do seu colo e vem para perto de mim. — Yusuf, vem.
O menino vem saltitando na minha direção com o sorriso mais feliz do mundo. Ele se agarra em mim, assim como Kevser.
— Seher. Você quer ser minha mãe? É que você já me coloca para dormir, me leva na escola, me da sorvete, me ajuda com os deveres. Eu nunca tive mãe, então você pode ser?
Sinto um aperto no peito ao ouvir as palavras de Yusuf, a indiferença que ele fala sobre a mãe. Mais triste ainda é saber que ela está tão perto e mesmo assim não se importa em procurar pelo filho, um menino tão encantador quanto ele.
— Meu amor, ser sua mãe é um privilégio e eu aceito com o maior prazer do mundo. -Me abaixo e abraço os dois com força. — Vocês são a minha vida, para sempre. -Beijo as bochechas rosadas dos dois.
— Mãe? -Yusuf está tão feliz que mal se contem, seus olhos brilham de empolgação.
— Sim, meu amor?
— Será que eu e minha IRMÃ podemos tomar sorvete antes de dormir? -Ele pisca os olhinhos, fazendo cara de pidão. — Por favor, mãe.
É impossível negar qualquer coisa enquanto eles me olham assim, apenas concordo com a cabeça. Eles não esperam, saem correndo do quarto em direção a cozinha.
Vejo Yaman levantar com dificuldade e sem olhar na minha direção, caminha até o quarto, para em seguida entra no banheiro e fecha a porta, posso ouvir quando ele passa a chave, coisa que nunca fez antes.
Tudo bem, vai ser mais difícil do que eu pensei, mas ele está magoado, eu falei coisas horríveis sem nem permitir que ele tivesse a chance de se defender, só preciso ser paciente.  Aguardo por um tempo quase interminável enquanto ouço o barulho do chuveiro.
Acordo sobressaltada quando um cobertor é colocado sobre meu corpo. Levanto os olhos e vejo Yaman pairando sobre meu corpo.
— Desculpa, não queria ter te acordado. -Ele dá um passo atrás e está prestes a sair do quarto quando levanto da cama e seguro seu braço.
— Espera. A gente precisa conversar. 
— Seher, eu já entendi. Você está com raiva de mim, você me odeia e eu destruí sua vida. Você falou uma vez e já doeu o bastante, não precisou ouvir mais uma vez. Então eu vou para o quarto de visitas e você fica aqui, eu só não quero ver outra vez nos seus olhos aquele ódio, então por favor, só me deixa ir e se amanhã ainda quiser gritar comigo, tudo bem, mas por hoje é o suficiente. Por favor.
— Não. Não é o suficiente.
Vejo quando ele fecha os olhos e os ombros caem em decepção. Então ele simplesmente abre os olhos e me encara sem nenhuma emoção.
— Tudo bem, pode falar. Estou ouvindo. -Sua voz está tão apática quanto o rosto.
— Primeiro, eu não te odeio. Eu te amo com todo o meu coração. Segundo, você não destruiu minha vida. Você me proporcionou a vida mais linda e incrível de todas. Terceiro, e nunca vou ser grata o suficiente por você ter salvo a vida da minha irmã. Graças a você eu a tenho ao meu lado, essa parte tão importante e vital da minha história. Você não mediu esforço quando se deparou com uma situação impossível de reverter, diferente de outros médicos, você lutou por ela, mesmo não tendo chances. -Caminho alguns passos até estar parada na frente de Yaman que me encara de olhos arregalados. — Apenas desculpas não são o suficiente depois de tudo o que falei. Você não merecia ouvir nada daquilo. Eu estava nervosa e quando vi o prontuário meu mundo desabou. Eu te julguei sem chance de defesa. Fui injusta e covarde por sair sem que você pudesse se falar qualquer coisa. Mas nada disso justifica a forma com a qual tratei o homem que engoliu a própria dor, no pior momento da sua vida, para salvar a vida de uma total desconhecida. -Delicadamente toco o rosto de Yaman. Ele fecha os olhos e suspira, aceitando meu carinho como uma criança. — Se você puder me desculpar, eu prometo que nunca mais vamos precisar passar por algo parecido. Sem julgamentos, sem precipitações, sem acusações. Eu sinto muito por tudo o que falei.
— Eu queria ter feito mais. Eu tentei fazer mais. -Quando ele abre os olhos, vejo que eles brilham por lágrimas não derramadas. — Sinto muito. -Sua voz mal passa de um sussurro.
— Yaman. Você salvou minha irmã, aquela menina linda e doce que é completamente louca por você. Olhar nos olhos dela e ver o quão feliz ela é, já é o suficiente, nada poderia me deixar mais feliz. Obrigada por me dar essa família maravilhosa. Eu te amo. -Passo meus braços em volta da cintura dele e o aperto com força, afundando o rosto em seu peito.
— Vocês são a minha vida. -Ele sussurra nos meus cabelos enquanto passa os braços em volta de mim, me segurando firme. — Vocês são a minha segunda chance.

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