Capítulo 9

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SEHER

Desço as escadas até a cozinha e aguardo por Yaman, ele disse que irá dar uma última olhada nas crianças e falar com Ziya. Também disse que precisava fazer alguma coisa no quarto, mas que só demoraria 5 minutos.

Coloco o maço de folhas sobre a mesa da cozinha e para evitar qualquer problema, retiro o vaso de flores. Os minutos passam e Yaman ainda não chegou.

Caminhando de um lado para o outro dentro da cozinha, acabo parando em frente a geladeira que tem várias fotos espalhadas por sua superfície.

São inúmeras fotos de Yusuf em todas as suas fases. As pequenas fotos mostram Yusuf na praia, vestindo um jaleco brando e segurando um estetoscópio, andando a cavalo, descendo um grande escorregador vermelho, sorrindo sem o dente da frente, segurando um desenho nas mãos, fazendo pose de policial. Diferentes fotos de aniversários com o pai e o tio.

Mas também tem fotos de Yaman e o mais surpreendente de tudo é que ele parece uma pessoa completamente diferente. Como por exemplo a foto em que ele está deitado na grama com o rosto cheio de tinta colorida, ele tem o sorriso mais lindo do mundo nessa imagem. Porém a foto que mais chama minha atenção é uma em que Yaman está segurando um bebezinho nos braços, o sorriso é diferente do sorriso da foto com rosto cheio de tinta, esse é um sorriso cheio de amor e devoção. Seus olhos estão vermelhos e brilham com as lágrimas.

Sem conseguir me controlar, seguro a imagem e sorrio ao ver o quanto ele ama o filho. É muito bonito.

— Essa foto é do dia que Yusuf nasceu. Foi a primeira vez que segurei meu filho nos braços. -Yaman está encostado no balcão me observando.

Ele está com os cabelos úmidos, usando calça de moletom preta e uma camisa preta igual à que estou usando. Não sei o que responder. Fui pega no flagra mexendo no que não é meu.

— Desculpa, eu não deveria mexer nas suas coisas. -Coloco a foto no mesmo lugar de antes.

Ele ignora meu pedido de desculpa e caminha até estar parado ao meu lado, o braço quase tocando no meu.

— São lembranças bonitas. Saber que pude fazer ele feliz em cada uma dessas ocasiões é o que me motiva todos os dias a ser uma pessoa melhor. -Ele pega a foto que eu tinha nas mãos. — Esse foi o dia que aprendi o que é amar alguém sem medidas, sem restrições, sem esperar nada em troca. Depois desse dia, meu amor por ele só fica maior e mais forte e por ele eu seria capaz de qualquer coisa.

Yaman está falando coisas lindas, está me mostrando que tem um coração debaixo de tanta raiva, mas eu não consigo assimilar muita coisa. Meus sentidos estão entorpecidos pelo cheiro fresco de banho e perfume.

Meu Deus. Como alguém pode cheirar tão bem? Porque alguém tem que cheirar tão bem e ter esse rosto? Porque ELE tem que cheirar tão bem e estar tão perto de mim.

— Está calor aqui. Posso abrir uma janela?

Saio de perto dele e faço a volta na mesa, essa é a maior distância que a cozinha me permite estar dele.

— Eu faço isso. -Yaman segue o mesmo caminho que eu. Ele passar por trás de mim, seu corpo quase me tocando.

Uma rajada forte de vento gelado entra pela cozinha, fazendo algumas folhas voarem.

— Parece que vai chover, tem bastante vento e está frio. Tem certeza que quer deixar a janela aberta?

— SIM. -Minha resposta sai mais alta que o esperado.

— Certo. Vamos começar? -Ele puxa duas cadeiras. Uma ao lado da outra.

Só então me dou conta de que ele colocou algumas coisas sobre a mesa.

— O que é isso tudo?

— Você precisa melhorar a sutura. Trouxe um kit para que vá fazendo isso. Também trouxe alguns dos meus cadernos de anotações da faculdade, eles vão ser úteis. Apesar da idade que eles têm, os conteúdos são os mesmos, a anatomia humana é a mesma, a fisiologia também permanece a mesma. -Seus olhos estão focados nos meus e eu simplesmente não consigo desviar o olhar, me sinto presa. — Pensei que seria interessante repassarmos juntos algumas coisas, vai ser bom para ambos. Conhecimento nunca é demais, relembrar algumas coisas vai ser bom.

— Uhum. -É a única coisa que sai da minha boca.

— Mas agora sou seu aluno. Vamos lá professora, me ensine. Faça o seu melhor, minha atenção é única e exclusiva para você. -Yaman tem um sorriso disfarçado e isso faz um calafrio percorrer meu corpo, pois sinto um duplo sentido no que ele disse.

Será que esse é o mesmo homem que eu conheci a poucos dias?

— Eu... Nós... O papel e o dedo.

Merda.

Você precisa se controlar, Seher. Respiro fundo e procuro dentro de mim o restante de dignidade que ainda sobrou.... se é que sobrou alguma coisa.

— Nós vamos começar por algo simples. Um barquinho. Pegue uma folha e faça exatamente as mesmas dobras que eu.

— Sim.

Yaman faz exatamente as mesmas dobras que eu, seus olhos não deixam nada passar.

— Você precisa passar a unha nas dobras, se continuar passar o dedo, vai acabar se cortando.

— Vou me corrigir. -Ele não levanta a cabeça, está concentrado de verdade em aprender dobrar papel. E isso é outra coisa que eu jamais imaginaria presenciar. — Agora você puxa essas duas pontas. -Faço o processo com calma para que ele veja. — E o seu barco vai estar pronto.

Seguindo minhas orientações, Yaman Kirimli, o professor mais temido, acaba de fazer seu primeiro barquinho de papel e o melhor de tudo é que ele está sorrindo.

— Lindo. -Ele segura o barquinho na palma da mão e admira o trabalho. — Ficou bom, professora?

Seus olhos desviam lentamente da dobradura de papel e focam em mim. Uma corrente elétrica atravessa meu corpo. Ele está diferente, parece que está pronto caçar.

— Lindo. -Engulo a seco.

— Qual vai ser meu próximo desafio? Ou será que deveríamos aprender outras coisas? Tem muita coisa que posso te ensinar.

— Outras coisas? Eu não sei. Não sei. Acho que eu ouvi Kevser me chamar. -Tento sair, mas Yaman segura minha mão.

— Eu não ouvi, mas por desencargo de consciência, pedi que meu irmão ficasse com eles. Não se preocupem, eles estão bem. -Ele levanta. Seu corpo a menos de 5 centímetros. — Chega de papel. Vamos ver até onde você entende de anatomia. 

SEGUNDA CHANCEWhere stories live. Discover now