Capítulo 1: Fantasmas são reais.

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O silêncio é sempre o pior tormento das noites frias e solitárias daquela torre. O som do vento contra as paredes de pedra, é como ouvir fantasmas, já que elas sempre parecem estar contando histórias. O barulho da minha respiração é a única coisa que me faz ter certeza de que ainda estou viva, e não passo apenas de um cadáver em deterioração.

Apesar de que as vezes nem isso eu tenho tanta certeza assim. Quando vejo o meu reflexo na água que se acumula em alguns pontos do chão, magro, ossudo, pálido e sem vida, sempre penso que sou mais um dos fantasmas que fica sussurrando coisas por aí. Atormentando minhas noites em claro e meus pesadelos.

Uma coisa que precisa saber sobre meu mundo, fantasmas são reais. Almas perversas que não querem ir para o outro lado, ou apenas aqueles que tem medo de seguir pro além da vida, depois de morrerem, ficam no nosso mundo, vagando por aí como almas perdidas, loucos para assustar alguém e os deixar a beira da loucura.

Mas eles ainda estão livres para seguir o caminho que quiserem. Livres para flutuar pelas florestas do reino. Para visitar as cidades e assustar aos vivos. Livres para ir aonde quiserem. Não são como eu. Um corpo em deterioração, preso em uma torre esquecida no meio da floresta.

Não vejo ninguém a 13 anos e 24 dias. Não sei qual a textura da pele humana, já que a minha está seca e morta. Não sei como é ouvir o som da voz de alguém, já que não escuto nada além da minha própria voz baixa, nos dias que eu me obrigo a falar, com medo de não saber mais o que são as palavras.

Meu pai costumava dizer que palavras são perigosas. Que em alguns mundos, elas podem tirar a vida, ou dá-la. Que pedidos podem ser realizados com a mais simples frase. Que livros são as coisas mais perigosas e esplêndidas que existem, porque as palavras são guardadas neles. E eles são poder, conhecimento e tudo que a mente peculiar de cada ser desejar que seja.

De qualquer forma, também não sei mais como é um livro. Não sei mais nada sobre o mundo, além do que os fantasmas vem contar a mim, quando sentem vontade de me atormentar. Eu esqueci tudo que sabia, depois de alguns anos. A única coisa que me mantém viva aqui é aquela porta de madeira, que me impede de sair. Mas por onde alguém, quem quer que seja, passa um prato de comida duas vezes ao dia, pelo suporte embaixo da madeira que se abre.

Nunca vejo quem é. Nunca ouço o som da sua voz. A mão coberta por uma luva marrom passa o prato por baixo dela e vai embora silenciosamente, da mesma forma que surgiu. Nos primeiros anos, tentei falar com ela ou ele. Tentei ouvir o som da sua voz, perguntando coisas sobre o reino. Mas nunca obtive resposta. E depois de um tempo, desisti de tentar.

Não havia nada ali. As paredes ao redor eram de pedra, formando um círculo ao meu redor. Minha prisão. As correntes nos meus tornozelos me impediam de chegar perto da porta, como se de alguma forma eu pudesse sair por ela se conseguisse toca-la.

Havia um um balde cheio de água e outro onde eu deveria fazer minhas necessidades. Eu tomava banho uma vez por semana, quando aquela mesma mão empurrava outro balde de água para dentro, junto com uma barra de sabão com um cheiro nada agradável.

E minha cama, era nada além de trapos velhos amontoados no chão. A maioria manchada de sangue, da época que eu ainda tentava arrancar aquelas correntes dos meus tornozelos, conseguindo apenas cortar minha pele e fazê-la queimar e sangrar até eu não aguentar mais.

Eu tinha apenas seis anos quando vim parar aqui. Agora, conhecendo cada pedra daquela torre como a palma da minha mão, tenho certeza que vou morrer ali, sem ninguém nunca saber o que aconteceu de verdade comigo.

Nas noites mais sombrias, quando ouço o vento sussurrar pelas paredes, me lembro da época em que minha vida era um conto de fadas. Eu era uma princesa, com dois irmão mais novos, um pai e uma mãe, que governavam as terras férteis de Delarian.

Mas em um dia, em um piscar de olhos, eles sumiram. Ainda lembro da sensação e do horror de ver a flecha atingindo o peito do meu pai, quando o sangue respingou em mim. Então na minha mãe, bem no centro da testa, quando ela tentou me proteger.

Eu corri quando ela implorou. Corri até meus irmãos e os tirei de lá. Levei os dois até o rio que passava perto do castelo, enquanto via tudo em chamas, a medida que os elfos invadiam nossas terras. Deixei os dois dentro de um barco, flutuando para longe do caos e da morte, antes de ser pega.

Não sei o que aconteceu com os dois. Eles eram pequenos demais. Frágeis demais. As vezes, tenho medo de que eles também estejam em algum lugar daqui, presos em outra torre da mesma forma como eu estou.

Mas tenho certeza de uma única coisa, Castiel Ferraz usurpou o trono dos meus pais, depois de prometer uma falsa aliança e os trair. O trono que hoje ele se senta, me pertence. Todo este reino é meu. Se um dia eu sair daqui, irei tomá-lo de volta. Se eu morrer, me tornarei um fantasma, com a promessa de atormenta-lo para sempre.

Não quero ser esquecida. Princesas existem para serem lembradas. E rainhas para serem temidas.


Continua...

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