Capítulo XIV

605 68 12
                                    

A vida é um sopro gelado que nos revigora a cada dia, ou sufoca. Você pode se sentir leve, pronto para seguir ao máximo com seus anos, ou transformar tudo em uma imensa bola de neve a qual se acumula, mas que uma hora vai se desfazer no mais intenso dos invernos. É um acúmulo incerto acerca do que realmente nem você entende sobre si mesmo. Penso, eu, que desde dos meus quinze anos tem tudo sido desse jeito. Um arrastão de sentimentos resguardados e sem sentido os quais necessitam de uma abertura, reconheço, porém a qual é impossível de achar.

Foi exatamente nesta idade que o mundo foi se desabando para mim. E, apesar de ter consciência de como os hormônios adolescentes sim nos afetam, sempre soube que esta fase seria uma ferida doída e profunda, do tipo que te marca pelo resto de sua vida e quando alguém olha e percebe, te pergunta como aconteceu para estar tão evidente. Nesta época, descobri meus poderes, eles se afloraram. E tudo foi meio que de repente.

Era mais uma das constantes e inconsistentes brigas dos meus pais. Isso era rotina. Mas não apenas o conflito em si, o que acontece com todo o casal, imagino, como também a verdade das duras palavras as quais eram disseminadas, rasgadas e vomitadas com tanto ódio que é impossível de lembrar sem doer. Ainda dói. Sei que muitos passam por isso, e talvez nem deveria eu estar falando como se fosse um escarcéu, muitos sofrem mais, certo? 

De qualquer forma, foi neste momento, então, que finalmente me levantei. Ergui-me, estava cansada da rebeldia tão infantil de meu pai. Ele estava acabando com uma das pessoas mais maravilhosas desta Terra, minha mãe. Ela não merecia isso. Eu não merecia isso.

Pela primeira vez, em tantos anos, engoli o choro, e caramba, foi mais difícil do que se pode sequer imaginar. Mas eu precisava demonstrar força para o meu pai. Queria mostrar que eu também poderia intimidar, ele não é o único que machuca. E foi aí que as coisas saíram do controle, e para sempre. Quando me levantei para confrontá-lo, suas duras palavras me rasgaram como uma adaga* dentro de meu coração, uma artilharia insana que só poderia ser proferida por aquele que estivesse perto, aquele que se sentisse confortável para dizer e cometer suas atrocidades. Você não é minha filha. Você deseja que eu morra. Ai pai, se você soubesse o quanto eu te amo, nunca falaria isso. Nunca.

Minha raiva e desprezo na hora foram tão absurdamente inconcebíveis que eu vacilei, eu não deveria ter feito aquilo. Mas eu não sabia da minha própria natureza. Eu o queimei, foi de repente, ele havia acabado de sair do banho, desculpa. Porém, eu sabia que havia saído de mim, desculpa, pai. Queimei suas pernas e braços. Por favor, acredite em mim, eu não queria aquilo.

Desde então, nunca contei para ninguém sobre minha descoberta. Afastei-me de qualquer possibilidade de surgimento de alguma relação realmente forte. E por isso, meu caro leitor, eu me escondo. Pois, acho eu, que não só escondo as pessoas de mim, como também, escondo-me de mim mesma.

.

.

Nota da autora:

*Como diria Loki, o amor é uma adaga.

Gostaria também de saber o que estão achando, estou aberta a sugestões :) Por favor, não esqueçam de votar se gostarem

O Mar de Talokan // MarvelWhere stories live. Discover now