Capítulo XLVI

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Foi sem querer.

Não, não de novo.

Meu desespero naquele momento era nato, imediato e tão puro quanto a verdade das palavras de meu tio quanto ao meu descontrole. Eu estava à beira de um erro irreparável, os olhos serpenteando o corpo desleixado de Nick no chão de madeira. Foi o grito de Naty o que me tirou deste transe.

- Camila. Camila! Camila! O que foi que você fez?- sua voz havia mudado do antigo tom de repúdio às palavras de Fury para uma melancolia de certa maneira desesperada.

- Eu... Eu não sei.- as palavras sendo de difícil acesso à minha respiração.

Logo, nós duas nos agachamos próximas ao corpo do homem, procurando quaisquer sinais que acalmassem nossas dúvidas, sinais os quais comprovassem que eu não havia feito o que pensava que tinha.

- Tem pulso. Fraco, mas tem.- a ruiva suspirou, segurando a mão de meu tio de maneira leve. Percebi, então, neste ato tão simples que havia certo carinho por parte dela por ele, lembrando-me como havia chamado-o de "Nick".

- Eu... Eu não quis. Não quis isso.- meus olhos voltaram-se para a mulher sentada sobre chão ao meu lado, estava a encarando firmemente- Ele... Ele...

- Estava pegando pesado, eu sei. Nick pode se tornar bem inconveniente quando apenas está tentando ser persuasivo.- olhava para mim de volta, com aquele sorriso de lado, acolhedor.

- Você não está brava? Ou com medo?- meu tom era desesperado, as mãos levemente tremendo.

- Por que estaria? Não parece ter feito de propósito, e de qualquer maneira, até eu estava louca para socar o nariz dele.- riu, segurando minhas mãos- Agora, fique calma.

Por um instante, analisando a estranha, mas reconfortante, recepção de Natasha fez com que meu coração desacelerasse de seus impulsos nervosos. Nick está bem. E, por mais que a raiva fosse ainda emergente e avassaladora em minhas veias, consegui me controlar. Respirei fundo e decidi o que faria.

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Narradora On

Os olhos, ou melhor, o único olho do persistente e deveras inconsistente homem se abria. Estava sobre o sofá daquela pequena casa, à margem do oceano sem fim de um litoral de beleza única e sem devaneios. A dor em seu peito era vigente, processo óbvio após uma pequena morte de cerca de segundos. Até que avistou sua pequena grande sobrinha sentada na poltrona ao lado.

- Tio.

- Camila.

- Parece que está respirando bem.- sua voz era calma, fruto de uma calma conversa com a moça ruiva, esta agora já tendo ido. Essa conversa era para ser uma discussão familiar, por assim dizer.

- Parece que sim- riu de lado, porém, instantaneamente sentindo certa dor nas costelas.

- Melhor não se esforçar tanto, tio, pode te machucar.- o tom parecia de certa maneira irônico, apesar do olhar culpado, o que foi notado pelo homem.

- Por que não seguimos logo ao assunto, querida? Sei que quer falar, então diga.

- Como você tem tanta certeza que pode me ajudar? Como pode... Como pode ter tanta convicção?- a mulher soava meio aflita, mas objetiva. Queria sua resposta de imediato.

- Você não é a primeira que lido.- falou, de imediato.

- O que?

- Não é a primeira, querida. Ou pensa mesmo que simplesmente acreditei na possibilidade de minha pequena e inocente sobrinha possuir poderes?- Nick sentava-se para manter melhor o contato visual- Minha falta de ceticismo não é nutrida por loucura ou obsessão... - respirou levemente, dando uma pausa ao juntar as mãos em seu colo- Anos noventa. Carol Danvers.

- O que?- agora, a morena de nossa história demonstrava uma curiosidade vigente.

- Pilota de primeira. Grande amiga, mas amaldiçoada pelo poder de ter muito poder. Vi ali o potencial de surgir algo maior em minhas mãos. Uma iniciativa, minha cara.- seu olhar tornava-se mais obscuro, mais perigoso- Não tenho ideia de onde seus poderes vieram, mas sei de onde os dela surgiram. Acredite ou não, vieram de algo extraordinário, algo de outro mundo.

- Pode só estar brincando.- disse, apesar de mostrar certo interesse na voz.

- Não, não estou. Acompanhei de perto ela lutando contra seu descontrole louco. Uma hora era inofensiva, outra empurrava homens meus contra a parede por estar simplesmente brava. Sua jornada ao auto-entendimento foi intensa, mas, ao final, percebeu que era parte daquilo. Era assim e ponto final. E então, demonstrou-se uma excelente guerreira, confiante de si mesma.

- E onde está esta lendária guerreira agora, hein?- o sarcasmo soltou-se da língua de Camila.

- Este não é o ponto. O ponto é que você possui tanto potencial quanto ela. Só precisa perceber. Se controlar. Se entender. E, por mais que ache lindo seu romance, está colocando em risco a paz entre dois mundos que sequer se conhecem. Sabe disso. Seu amado não te pertence.

- Não. Está errado.- dizia mais para si mesma do que para o tio, apesar de o encarar profundamente.

- Estou?- disse, com uma fingida inocência.

- Como posso apresentar tanta ameaça assim para um povo? Não coloco nada em risco.

- Minha cara, como ainda não compreendeu? Não é você que está colocando este povo em risco...- riu- Quer dizer, não exatamente. A guerreira azul foi bem clara ao repudiar suas ações... E, uma vez que ela se torna ameaça, digamos, a mim...

Camila passou a ligar os pontos. E, para melhor esclarecimento ao meu caro leitor, aqui vamos. Como dito pelo homem de olho só, pelo menos ao que se refere a este universo sobre o qual conto, a Shield sempre está pronta para eliminar ameaças. Porém, apesar do profundo e inconsistente ódio de Namora, a mesma nunca realmente se apresentou como prenúncio à organização, e sim, somente à nossa querida protagonista desta humilde história. Logo, por que diabos a Shield se preocuparia?

Opa.

Talvez o homem de olho só fosse importante demais para essa tal organização. E, apenas talvez, seu risco perante uma guerreira a qual nunca sequer havia sido vista despertasse certo interesse da Shield sobre este povo perdido no meio do mar mexicano.

Em outras palavras, devo confessar, Nick Fury havia sido bem mais inteligente do que o esperado. Ao se colocar em prontidão através de um acordo com a mulher azul, a Shield entrava em jogo. Uma vez que Camila repudiasse as propostas do tio, continuando então seu romance, Namora iria atrás de Fury nem um tanto feliz, o que apenas, propositalmente, não somente a colocaria em evidência ao sistema da organização como também todo seu povo. Uma ameaça iminente. E sabemos o que acontece quando há ameaças.


-Claro.-  Camila parecia unir pequenas peças de quebra-cabeça em sua mente- Foi por isso que fez o acordo com ela. Para que se tornasse uma ameaça não só para mim, como também para você.- sua voz engolia as verdades como um remédio amargo- Assim, a Shield pode avançar. Namora nunca foi e nunca será perigosa para mim. Mas para você... Para você é.  Você pode simplesmente me persuadir agora, pois, se eu recusar sua oferta, ela virá. Ela virá até você e a Shield constatará uma tensão iminente. Irá ir atrás dela e de seu povo.

- Veja só, não é à toa que somos da mesma família, Camila. Parece que a perspicácia também corre por suas veias.

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Nota da autora: espero que estejam tendo um bom Carnaval!!



O Mar de Talokan // MarvelWhere stories live. Discover now