Capítulo XXI

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- Ah não, você trouxe a lança.- disse eu com uma voz cansada.

- Obviamente, quero te testar, quem sabe o que você pode fazer.

- Nem eu sei.

- Exato.

Estávamos já do lado de fora da minha humilde casa, pés na areia, preparados para descobrir o que estava errado comigo. Digo errado, caro leitor, porque realmente não fazia ideia do que poderia estar acontecendo. E, por mais que a curiosidade seja intrínseca ao ser humano, eu não tenho a certeza se já estava preparada para o que viria a seguir. Mesmo assim, continuemos.

Namor, agora com aquela falsa tentativa de intimidação no olhar, me encarava. Estávamos cerca de três metros um do outro, esperando o que eu poderia fazer.

- Vamos lá, pequena. Tente me acertar.

- Como diabos te acertar? Com a água?- falei, sem paciência alguma.

- Não exatamente. Isso você certamente já sabe fazer. Precisamos tentar algo novo. Ontem você mexeu com o vento, criou água. Deve ter despertado algo aí nesse pequeno coraçãozinho.- apontou com a lança para o meu peito, patético.

Olha, sereio, não faço ideia de como fiz aquilo. Eu apenas fiz. Não tem nada demais.

- Hm...- pareceu estar pensando- Como, exatamente, você parou no mar?

- Sério que temos que falar disso?- ele assentiu de forma firme, mas convidativa- Tudo bem, vai. Eu estava dormindo, sonhando com...

- Sonhando com o quê?

- Não importa. É... foi quando acordei, e estava chovendo e aí eu meio que comecei a dançar na chuva.

- Você começou a dançar?

- Aí, eu não sei, Namor. Eu meio que me aproveitei dela. Quando fui ver, já estava no lado obscuro da minha mente, apenas sobrevivendo. Então, você me achou.

- Quer dizer que não se lembra de nada?- perguntou, sério.

Quase nada.

- Tem mesmo certeza?

- Sim, Namor. Que saco. Sim.

Foi neste momento que, de repente, em volta dos pés do sereio demasiado curioso, surgiram pequenas plantas, enrolando-se para, certamente, o prender. Cada vez mais, subiam pelo seu tornozelo, pareciam realmente não querer parar.

- Meu Deus, ai desculpa. Fui eu, não foi?- olhei meio atordoada para ele, chegando perto para analisar a situação.

- Interessante. - ele parecia bem calmo?- Parece que despertou novas coisas, pequena.

- Você não está bravo?

- Não.- riu de lado, maldito sorriso- Mas, me diga, desde de quando...

- Quinze. Descobri queimando meu pai.- falei rapidamente, nem sabendo como havia saído tão depressa aquelas palavras, ainda olhando para seus pés e pensando como poderia retirar aquilo.

- Olha só, assim como fez comigo. Parece que gosta de queimar as pessoas.- disse num tom meio brincalhão.

- Não, não gosto.- me abaixei, tentando retirar as plantinhas de seus pés- Sabe, eu não gosto de machucar as pessoas.

- Não foi isso que eu quis di...

- Eu sei, mas, olha, eu... eu não queria ter isso em mim, ok?- ainda estava tentando soltar as plantinhas, mas estas só se enrolavam mais e mais. Que droga.- Por que não saem? Saí logo. Vai.

- Ei, ei... Calma.

- Calma?

- Isso. Respira.- ele passou a me encarar com um olhar solidário, acolhedor.

- Mas, sereio...

- Só respira, ok? Não se preocupe com isso.

Aos poucos, as pequenas plantas foram voltando para a areia, e Namor conseguiu se soltar. Então, me levantou pelos ombros, e assim, ficamos nos encarando por um tempo. Mas, desta vez, não era tão desconfortável.

- Talvez não sejam exatamente poderes o que você tenha.- iniciou.

- Como assim?

- Não, quero dizer que você talvez tenha apenas uma conexão com a natureza. Quando está brava, ou precisa, os poderes vêm à tona.

- Quer dizer que sou tipo a Matilda?- disse eu, esquecendo novamente que ele era um sereio, e justamente por isso, estava fazendo aquela expressão confusa- É outra personagem do espelho mágico, sabe? Ela só descobriu seus poderes por isso, porque estava brava.

- Então, você é uma Matilda.- passou a procurar as palavras certas- É... Como?

- Como o quê?

- Como você queimou seu pai?

- Namor...- eu definitivamente não queria falar sobre isso, pensei que só precisaria mostrar o que sei para ele, não contar minha pequena e simplória vida- Não quero...

- Pequena, quero te ajudar.- seus olhos tentavam trazer conforto.

- Eu...- comecei a procurar um ponto para encarar, o qual não fossem seus olhos com dó. Eu não merecia dó.- Eu estava cansada de ele só brigar, machucar, eu queria que ele calasse a porra da boca. Tudo que saía dali me consumia, doía. Mas, sério, acredita em mim, não queria machucá-lo. Não mesmo.- tentei simplificar ao máximo, desejava mudar de assunto.

- Pequena...

- Namor, não. Não. Desde então, eu só tento me conter, não chegar perto das pessoas, porque toda vez que fico nervosa...

- Algo de ruim acontece.- ele completou, pegando meu queixo para que olhasse para ele.

- Mas...

- Pequena, olha para mim. Eu já travei guerras porque eu não estava, digamos, bem. Eles me chamam de Namor, e não é à toa.

- Mas foi para proteger os seus, certo? Um motivo nobre.- assenti com certeza.

- Se proteger também é um motivo nobre.

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Nota da autora: obrigada a quem está acompanhando, de verdade. Qualquer sugestão, só dizer :)

O Mar de Talokan // MarvelWhere stories live. Discover now