Capítulo II

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≈ Amanda •

Flashback on

Você realmente precisa viver, se soltar. Parece que está sempre engessada.

— Eu vivo, Mariana. Eu vivo do meu jeitinho.

— Amanda, você não vive. Você existe. Você pensa mil e duzentas vezes para caminhar em uma calçada. Qual a coisa mais inconsequente que você fez na vida? Deve ter sido essa tatuagem na virilha.

Minha gargalhada sai involuntariamente.

— Você está acabando comigo!

— Eu estou sendo realista! Eu não aguento mais você vivendo trabalho, casa, trabalho, casa, trabalho, casa, barzinho, trabalho, casa, trabalho, casa. Juro! Você está deixando a vida passar, amiga.

— Eu estou fazendo o melhor que eu posso com o que eu consigo.

— Você consegue mais. E eu estou falando isso só porque eu te amo, amiga. Sério. Vive, faz algo inconsequente, pelo menos uma vez na vida, sente a adrenalina no seu corpo.

Balanço a cabeça algumas vezes e caminho até o banheiro para a ducha pré plantão. Mariana tinha razão, eu planejava até o almoço que teria no dia seguinte.

O plantão tem algumas intercorrências e uma em especial me deixa absurdamente abalada. Mulher, 30 anos, dores fortes de estômago. No exame: presença de massa. Era câncer em estado avançado. Quando contamos ela balança a cabeça ouvindo.

— Tudo bem... agradeço muito a atenção de vocês.

— A psicóloga vai te acompanhar, teremos um bom suporte multidisciplinar.

— Obrigada, doutor. Talvez o fim possa ser um recomeço.

O otimismo dela, ainda que tenha recebido a notícia de uma forma tão abrupta, me encheu com um sentimento diferente. Minha profissão sempre precisou da minha empatia com um pouco mais de afinco, mas, definitivamente, hoje esse sentimento mexeu comigo um pouco mais.

Sai do plantão sentindo meu corpo pesado. As palavras da paciente ressoavam a minha mente enquanto eu bebericava meu negroni. Minha mente vagava longe.

— Oi, bonitão. Qual o pedido da noite? - a atendente questiona sorrindo.

— Duas doses de whisky por favor.

Olho o rapaz ao meu lado com a mão na testa e reparo que ele limpa algumas lágrimas. Passo a observar com mais atenção até que ele começa a cantarolar a música de uma forma sentida, as lágrimas pingam no copo.

— Eu não sei o que aconteceu, mas... o fim pode ser um novo recomeço. Não chora não. - digo sorrindo a frase da paciente que ressoava a minha mente. O homem não me responde, apenas balança a cabeça e seca as lágrimas. Ele pede outro whisky e eu finalizo meu negroni.

Saio do bar para pedir um uber.

Flashback off

A paisagem passava ao nosso redor enquanto Antônio acelerava o veículo.

— Procurei no Spotify "músicas para viajar com desconhecidos" mas não encontrei, então coloquei a playlist de viagens tradicionais.

A CuraWhere stories live. Discover now