Trinta e Cinco

1.2K 119 45
                                    

O corpo humano tem o seu próprio kit de sobrevivência. A nossa resposta a feridas é automática. Quando a pele é cortada, o cérebro ativa as plaquetas no sangue que percorrem o sistema até onde está magoado fazendo o líquido vermelho coagular. Mas e quando a nossa ferida é emocional? O que fazemos quando onde nos dói é na alma e não no corpo? Como se cura algo que é, aparentemente, abstrato mas que sentimos como qualquer outra dor física? Dói perder alguém. Dói deixar alguém. Dói ver alguém a sofrer. Dói ter saudades de alguém. Dói perceber que foste enganado(a). Dói perceber que não importas para a pessoa de que gostas. Dói quando és ignorado(a). Dói quando alguém se lembra de aparecer na tua vida após de ter feito sofrer. Dói quando tens de deixar alguém para o seu ou o teu próprio bem. Diz-se que o tempo cura tudo mas até ao dia em que ficamos melhores chegar, o sofrimento continua lá, apoderar-se da nossa mente, no nosso bem-estar, na nossa habilidade de pensar e/ou fazer algo. Até ao dia chegar, apenas dói.

∞ ∞ ∞


MARÇO



ABRIL



MAIO



【 1 de Junho de 2014 】

『 Emma Reed 』

O seu sorriso ilumina a sala, a sua felicidade irradiando tudo. Os seus dentes não estavam totalmente crescidos e alinhados, mas o que importava era o significado do seu sorriso. A pequena ainda era tão inocente que me fazia desejar ser tal e qual como ela. Queria que a minha maior preocupação continua-se a ser se o cabelo da minha Barbie estava perfeito ou não. No entanto, as minhas preocupações são outras. Ela corre até mim, saltando para o sofá e abraçando-me com toda a pouca força que tem. A minha pequena faz anos e está tão feliz por fazer o grande 8. Já há muito tempo que andara a planear e a festejar o facto de fazer anos e o dia finalmente chegou para ela. Eu não estive muito presente para atender a todos os seus pedidos, mas sei que a minha mãe esteve e fez o melhor que pode. Como sempre faz.

Toda a sala de estar e a cozinha estavam cheias de decorações e comida, prontas para as pessoas que a minha irmã convidou. Parecia que alguém tinha vomitado um arco-íris aqui dentro mas não me importara, o que queria era o bem estar da minha pequenina. A campainha toca, dando sinal que já havia gente para a festa. Ela sai do meu colo, saltando até à porta. As suas amiguinhas entraram, abraçando-se com uma enorme alegria. Ela é tão diferente de mim e ainda bem. Tudo o que eu quero é que ela seja feliz.

Já havia passado 99 dias desde a morte do Jayden. O meu estado de apatia continuava o mesmo e nem me dava ao trabalho de fazer um esforço para ficar bem. Eu estou farta de tentar e não conseguir. Estou cansada, física e mentalmente. Só quero que a escola chegue ao fim para poder ficar, finalmente, em casa. Assim não terei de ver ninguém, especialmente o Brian. Até olhar para ele dói. Como é que isto chegou a este ponto? Eu não queria nada disto, desta maneira. Mesmo que ele peça desculpa, não o poderei trazer de volta para a minha vida. Não posso deixar que alguém entre, novamente, para me deixar desfeita quando se for embora. Amo-o demasiado para permitir que a minha confusão o atinja. E se para o proteger tenho de me afastar, então que seja. Ele acabará por encontrar alguém melhor do que eu. Afinal, toda gente é melhor do que eu. Só faltam alguns dias para as férias chegarem e isso acalma-me um pouco, ainda que não seja suficiente.

Vou até ao meu quarto, afastando-me do barulho que se estabeleceu na sala. A minha ansiedade de ficar perto de pessoas voltou e eu odeio isso. Sinto-me claustrofóbica mesmo que esteja ao ar livre. E o facto de ter gente a observar-me não ajuda, como é o que acontece na escola. A chuva bate na janela do meu quarto, levemente. As gotas de água espalham-se pela superfície vertical. Esses fragmentos de água começam a deixar a gravidade vencer, seguindo os seus caminhos numa única direção, como se fossem as experiências, erros e confusões que adquiriste durante a tua vida e acabassem por formar algo maior - tu. Por vezes, essa gota acaba por se quebrar mas acaba sempre por se juntar a outra. Essa é a vida. No entanto, eu sou a exceção.

Evanescente (#1 Evanescente série)Where stories live. Discover now