fifty four

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Lauren

A parte de dentro do carro de Keana é diferente do que eu tinha imaginado. É gasta, o estofamento dos bancos está quase rasgando e o vinil da porta está rachado em vários lugares.

- Meu irmão me deu este carro quando foi para a faculdade - diz ela quando saímos do estacionamento dos alunos. - Eu sei, é uma lata-velha.

O fato de que Keana parece ter vergonha do próprio carro é a maior fofura. Ela está me mostrando seu lado vulnerável. Isso me dá vontade de abrir a boca e dizer a ela que um dia vai poder comprar o carro que quiser.

- Onde seu irmão estuda? - pergunto.

- Na Universidade de Vermont. Ele é ligado em causas ambientais.

Do mesmo jeito que você vai ser, um dia!

Keana vira à esquerda na rua Finch e pega a direção da estrada. Estica a mão perto dos meus joelhos para abrir o porta-luvas, que está bem arrumadinho com fileiras de fitas cassete.

- Você pode pegar a fita em que está escrito "Dave Matthews"? - pede. - É a fita pirata de que falei para você. Eles tocaram perto da faculdade do meu irmão e ele gravou.

Pego a fita e coloco no toca-fitas. Uma leve estática sai dos alto-falantes. Enquanto espero a música começar, dou uma olhada em Keana. Ela é uma motorista muito segura, dá para ver pela maneira como reclina o banco com uma mão e segura o volante com a outra, despreocupada.

Entra na estrada e a fita começa. Tem tanta gente falando ao fundo que mal dá para ouvir a música. Acho que estão tocando "What Would You Say".

- O público é irritante - diz Keana e aponta para o som. - Se você só vai lá para beber e conversar o show inteiro, é melhor ir para um bar.

- Meu pai é músico profissional - falo. - Ele sempre reclama disso.

Keana aumenta o volume.

- Como guitarrista, Dave Matthews é subestimado. Você consegue ouvir o que ele está fazendo aqui?

Tento escutar, mas a qualidade é péssima mesmo.

- É demais.

Keana pisa fundo no acelerador e passa dois carros. Estamos indo na direção do Shopping Center de Lake Forest. Dinah e eu vamos lá algumas vezes por ano, mas costumamos economizar para poder fazer compras em Pittsburgh.

- Por que o seu anel de formatura não está com você? - pergunto. Consigo enxergar o anel de Keana perfeitamente. É de prata e bem volumoso, com uma pedra cor de laranja no meio, a cor oficial da equipe Cheetah.

- Mandei gravar com a data da competição estadual - diz ele. - Eu sei que é estranho mandar gravar uma data que ainda não aconteceu, mas estou fazendo isso para dar sorte.

Keana ficou em primeiro lugar nas regionais dos cem metros rasos, há duas semanas. Daqui a uma semana, vai participar das estaduais e tem chance de ser a primeira corredora de todo o estado da Pensilvânia.

- Talvez eu peça para darem uma olhada no meu colar - digo e remexo no bolsinho da minha mochila. - Quem sabe podem consertar o fecho.

- Sinto muito... o som disso aqui é terrível. - Keana aperta o botão para desligar o som. Quando faz isso, um ciclista da faixa de bicicleta entra na frente do carro.

Eu grito:

- Cuidado!

Keana desvia o carro para a esquerda. Outro carro buzina e pisa com tudo no freio, e cubro os olhos.

- Mas que droga foi essa? - grita Keana, dando uma olhada no espelho retrovisor.

Pelo espelho lateral, observo quando o ciclista apoia o pé no acostamento. Tira o capacete e mostra o dedo do meio para Keana.

- Olhe só para ele! - ironiza Keana. - Quase causou um acidente e agora está mostrando o dedo para mim?

Meu coração está disparado e as mãos tremem.

- E você devia pegar leve na gritaria - diz Keana. - Para falar a verdade, não ajudou.

Keana entra no estacionamento no Shopping Center Lake Forest e desliga o motor. Sai do carro e eu também desço. Mas deixo minha mochila lá dentro. Keana não diz nada sobre o meu colar quando estamos na loja, e eu também não menciono o assunto.

...

Quando voltamos para o carro, o clima parece ter melhorado. A gravação no anel de formatura de Keana ficou perfeita e o joalheiro pediu para ela assinar um recorte de jornal que tinha a foto dela e um artigo falando sobre a competição estadual. Agi como se tivesse ficado surpresa quando ela me mostrou, mas tenho o mesmo recorte na gaveta da escrivaninha em casa.

Quando Keana entra na estrada mais uma vez, estica a mão para pegar uma fita nova no porta-luvas. Desta vez, os dedos dela roçam meus joelhos.

- Sabe - diz ela -, a casa dos meus tios fica aqui bem perto e eles têm um sistema de som de arrasar. Está a fim de ver se a gente consegue escutar a fita pirata melhor na casa deles?

Meu estômago se revira de animação.

- Não se preocupe - completa. - Os dois são cirurgiões-dentistas e trabalham em horários malucos. Não vão estar em casa.

- Tem certeza de que eles não vão se incomodar?

- Não, não tem problema. Meu tio me deu uma chave extra.

Keana pega uma saída à esquerda e entra em uma rua cheia de mansões pré-fabricadas e árvores recém-plantadas. Ela estaciona na frente de uma casa enorme com uma fonte no gramado e colunas em estilo romano para sustentar a varanda.

- É legal, hein? - Keana pega a fita pirata e sai do carro.

Se estivesse aqui com Camila, nós duas iríamos enfiar a mão no bolso para procurar moedinhas para jogar na fonte. Mas não vai ter como eu fazer isso com Keana no jardim da frente da casa dos tios dela.

Dou uma olhada nas casas, todas gigantescas e silenciosas. Apesar de não ter ninguém por ali, sinto a necessidade de cochichar.

- Tem certeza de que eles não vão chegar? - pergunto.

Keana balança a cabeça.

- Eu venho muito aqui.

Ela digita um código de segurança e coloca a chave na fechadura. Quando abre a porta, ela se vira e sorri para mim. Meu estômago dá uma cambalhota.

The Future Of UsWhere stories live. Discover now