Trinta e Nove

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                                                                                            XXX

Como descrever a sensação de amar alguém?

Bom, de tanto ouvir a professora de literatura falar sobre Shakespeare, Taehyung acabou ficando curioso e passou a acompanhar alguns sonetos e obras dele. Entre muitos, gostou de um em particular. Era o soneto 116. Assim ele falava sobre o amor:

" De almas sinceras a união sincera

Nada há que impeça: amor não é amor

Se quando encontra obstáculos se altera,

Ou se vacila ao mínimo temor.

Amor é um marco eterno, dominante,

Que encara a tempestade com bravura;

É astro que norteia a vela errante,

Cujo valor se ignora, lá na altura.

Amor não teme o tempo, muito embora

Seu alfange não poupe a mocidade;

Amor não se transforma de hora em hora,

Antes se afirma para a eternidade.

Se isso é falso, e que é falso alguém provou,

Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou."

Shakespeare muito bem descreveu o ato de amar. Quando se ama de verdade, por mais que surjam obstáculos e adversidades, o amor continuará lá, firme e forte; como uma rocha. Encararia qualquer tempestade, por mais assustadora que fosse.

Não seria também o tempo que faria apagar a chama do que sentia por Yoongi. Inclusive sabia que, quanto mais o tempo passasse, mais perto estaria do seu boneco de neve.

O seu novo ídolo da literatura usava os sonetos para expressar os próprios sentimentos e vivências. Por outro lado, Taehyung não era um poeta – talvez não ainda - , mas se não tinha sonetos em mente, tinha seus patins. Era na pista de gelo que expressava, através de movimentos, giros e saltos no ar, tudo o que sentia em seu coração e alma.

E foi assim que entrou na pista de patinação, no primeiro dia de competição nas olimpíadas de inverno no ano seguinte. A tão almejada olimpíada. Yuju havia prometido que estaria lá e essa promessa foi cumprida. Estava disposto a criar seu próprio soneto, ali no gelo, diante do mundo todo.

Para chegar até o meio da pista, na posição exata em que começaria sua apresentação, bastaria 2 segundos e meio. Foram nesses 2 segundos e meio que, como um filme, lembrou de tudo o que passou.

Tae era alguém que perdeu uma das pessoas mais importantes da sua vida e teve que suportar toda a dor. Não foi fácil livrar-se do peso e dos momentos difíceis. No entanto, não foi erro do garoto. Nunca é fácil, para ninguém, perder alguém importante ou passar por dificuldades.

Muitas pessoas passam por momentos difíceis, o tempo todo. Mas é a partir desses problemas que se deve ter forças para lutar e permanecer de pé. Porque, se ainda está aqui vivendo, é porque existem coisas boas para acontecer. Taehyung aprendeu sobre isso quando chegou no novo colégio, depois de seis meses tão difíceis.

Sim, coisas boas aconteceram, mesmo em meio a tantas tempestades. Encontrou novos amigos e também uma nova chance para viver; uma nova chance para sorrir. Encontrou alguém que fizesse a chama da esperança, que por algum tempo esteve escondida dentro de si, ressurgir. Ao contrário do que possa se pensar, essa chama não se apaga. Ela só fica lá, no cantinho escondida, esperando que algum dia você se lembre dela – ou alguém lhe ajude a se lembrar - .

Yoongi o fez se lembrar quando disse que o amava.

Jimin o fez se lembrar quando dizia para sorrir.

Hoseok o fez se lembrar quando a chamava de amuleto.

Minhyuk e Jungkook o fez se lembrar por te fazerem sorrir comendo churrasco em barraquinhas ou em um karaokê.

Até mesmo Jin e Namjoon, que não teve tanto convívio, o fez se lembrar quando voltaram a falar com os outros garotos. A amizade poderosa deles, como eles mesmo diziam, realmente estava viva.

Por tudo isso conseguiu firmar os pés no chão e ser feliz. Algo que, um tempo atrás, achava que não conseguiria.

Sim. Taehyung conseguiu.

A felicidade duraria por mais e mais outros invernos. Perderia a conta da quantidade de bonecos de neve que faria com Yoongi. Perderia a conta da quantidade de "garotos sorriso" ou "amuleto" que ouviria dos garotos.

O mal havia passado. E agora, havia chegado a hora de respirar fundo.

Já estava no meio da pista de gelo. Seu boneco de neve estava na arquibancada, assim como os outros garotos e seus pais, torcendo por si. Conseguiu chegar lá. E isso era só o começo.

Colocou a mão direita sobre o coração, sentindo-o bater. "Juntos", pensou. Porque não estava sozinho. Nunca esteve sozinho.

Sua história não havia terminado. Estava só começando.

Começaria ali, no primeiro dia nas olimpíadas de inverno.

Luz baixa.

Música.

Movimentos, giros e saltos no ar.

Era hora de começar a escrever o seu próprio soneto.

Coração de Gelo  Where stories live. Discover now