88 ▪ cornetto ▪

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Pensar em alguém que queremos esquecer, esquecer não, erradicar da nossa mente, demonstra que o decorrer do processo não tem sido fácil. Demonstra uma das fraquezas do ser humano na sua consistência.

Conselhos são tudo o que eu posso lhe dar, passando pelo que passei, a moral da história não é muita, não pode ser muita, porque de corações quebrados está o mundo cheio. 

Park Jimin guardou as palavras curandeiras para a altura errada, guardou-as demais, trapaceou e manteve-as para si, tão trancadas quando os impossíveis do mundo, para depois as soltar de rompante, quando já não eram nada, quando já significado não tinham. 

E claro que eu, Jeon Jungkook, não era o típico adolescente que batia o pé mas depois volta atrás. Não. Esquecer Park Jimin, peço perdão, erradicar Park Jimin, era o número um da lista de objetivos, da lista de coisas para fazer, da lista das compras ou qualquer outra, mesmo que isso já demonstrasse a falha no meu plano.   

Porque trocar palavras vulgares por incomuns, de alta classe, pesadas, toda a gente faz, não é isso que muda o que sentimos, o que queremos, o que fazemos. 

Ser mau é ser mau, e ser malvado e cruel não muda isso. 

Esquecer Park Jimin é esquecer Park Jimin, erradicar não muda isso.

''Jungkook.'' Ela chamou, serena como sempre, e eu olhei a dona da voz melodiosa, sorrindo pequeno, aquecendo as mãos no café quente. ''Quatro meses não é muito tempo.'' Disse-me, entendedora, e eu voltei a sorrir, como se eu quisesse persistir naquele assunto.

''Dois anos é.'' Eu murmurei, sem me esquecer disso e ela sorriu-me de volta, apática. 

''Nos fez bem.'' Assumiu, mesmo que fosse mentira da minha parte. ''Não fez?''

''Não.'' 

''Você sempre foi tão sincero.'' Lembrou, sem saber que cada lembrança me dava náuseas. 

''Mô.'' Eu chamei, a olhando e deixando o café de lado, sentado ali, na frente dela. ''Pode, por favor, parar de me relembrar das coisas que eu deixei para trás ou que me deixaram?''

''Ninguém te deixou para trás. Nem eu, nem ele.''

''Não tem como deixar para trás algo que você nunca teve.'' Respondi, seguro da minha verdade. ''E, desde sempre, nós tivemos definições erradas. Dizer-me que é apaixonada por mim, que eu gosto de garotos e depois sumir não foi justo.'' 

''De novo isto?'' Ela perguntou, risonha, porque não era realmente a primeira vez que conversávamos sobre aquilo. Então, astuta, ela levou a xícara aos lábios, bebericando com o olhar pousado sobre mim. 

''Não dá para largar o que machuca.'' 

''E é por isso que você não esquece ele.'' Ela disse, divertida, piscando um olho na minha direção e depois subindo o olhar acima da minha cabeça, assim que eu senti duas mãos apertando os meus ombros, me fazendo erguer o queixo e ver Yugyeom. 

Yugyeom não sabia que olhar o seu rosto era como um martírio ambulante. 

''Taehyung?'' Eu murmurei, querendo saber do ruivo, mas ele acabou sacudindo os ombros, olhando o balcão onde o garoto se encontrava, escolhendo os bolinhos de hoje. 

''Não esqueceram que hoje é aniversário de-''

''Ninguém esqueceu.'' Eu resmunguei, socando a barriga dele, o fazendo me largar. ''Minha mãe, não sua.'' 

Então Mô riu, como se tivesse piada, como se eu não sentisse remorso sempre que a olho. 

''Vamos?'' O Kim ruivo perguntou, com uma caixa rosa em mãos. ''Aprendam o que dar a uma senhorita, faz favor.''

Depois de um revirar de olhar e de uma discussão até ao restaurante, entre todos eles menos eu, no que tocava a presentes para a minha mãe, nós finalmente chegamos ao dito cujo, percebendo as duas dezenas de pessoas do lado de fora. 

E, querendo deixar aquele grupo estranho, eu acompanhei a minha mãe no seu passo apressado para a cozinha, roubando-lhe o pano de cozinha e dizendo-lhe que não trabalhasse mais. 

Como se fosse algum dejá-vu rasca, ver Taehyung, Yugyeom e Mô ali, pessoas tão distintas, eu sentia que eu estava no caminho certo para deixar Park Jimin de lado. Afinal, os três ali eram regulares na minha vida antes de Jimin, mesmo que antes Yugyeom não fosse uma presença física e mesmo que Mô tivesse sumido por um par de anos. 

A verdade dura é que, de qualquer das maneiras, andamos meia vida a amar alguém para no final a deixarmos ir. Não é cruel?

Um último conselho, de um dos sábios, antigos, perigosos e filosóficos, qual não me recordo o nome ou se ele tem nome, ou se de uma letra de música virá, seria:

Quem diz que não pode, não diz que não quer.

Não podia ver mais Park Jimin, podia queimá-lo vivo com o olhar, um único olhar, mas não tencionava vê-lo mais. 

Quando a tarde se tornou longa e cansativa, panos de cozinha de lado, amigos de outro, feliz aniversário para aqui, feliz aniversário acolá, sair do restaurante e pensar em caminhar pela calçada era reconfortante, dentre aquela neblina de tempo de chuva e um friozinho na barriga, quase como presságio. 

Porque ao invés da calçada, como primeiro instinto, eu me encostei ao lado da porta, afinal seria mal visto ver-me sair dali em um dia como aquele. 

Se o arrependimento matasse, no entanto, eu não estaria ali para ver o sorriso do diabo em um rosto de anjo que eu já conhecia tão bem. 

Ver o céu e o inferno em um algo só é metáfora, realidade é conhecê-los, é enfrentá.los de queixo erguido enquanto as suas mãos suam ao frio, pousadas ao lado das suas pernas descansadas que desconhecem o receio do momento. 

Então, antes de dizer alguma coisa sequer, Jimin fechou o sorriso de dentes, mantendo o de lábios quando jogou aquele cornetto para cima de mim e eu não me mexi, não por falta de reflexo. No entanto, ainda assim, Park Jimin foi até ao chão, apanhando o sorvete quebrado, se erguendo de novo e mo estendendo, mais acanhado agora. 

E, antes de piscar, naquele alerta de cliché, ele disse:

''Diga Olá.''

E eu podia lhe dar todos os conselhos do mundo, todas as lições de moral... Mas para quê? Está apaixonado à um minuto e já esqueceu o primeiro... Não se apaixone.

cornetto [jikook]Where stories live. Discover now