Ares - Um Boxeador Mafioso

Capítulo 52

Ares
"Eu demoro a aprender, é verdade. Mas eu aprendo..."

Seguro o buquê de narcisos firme em minha mão. São suas flores favoritas. Estou em frente ao seu túmulo, ainda existe uma parte de mim que se recusa a aceitar o que aconteceu cinco meses atrás e às vezes ela é maior do que posso suportar.

Neve cobre seu nome esculpido na rocha, e com a ponta dos dedos a retiro. O frio gela meus ossos e aperto o casaco contra o corpo. Demoro alguns minutos pensando nas decisões que tomei. Meu pai está morto. Minha mãe está morta. E eu continuo sendo um traidor.

Rezo por sua alma. Mas as imagens de seu corpo destroçado invadem minha mente, perseguindo o resto de sanidade que me resta. Eu o odiei, e é difícil fingir que esse ódio não existe dentro de mim. Ainda assim... É doloroso, embora eu não queira admitir.

Houve um tempo em que o admirava, como qualquer outra criança que buscava se espelhar em uma figura paterna. Não tinha conhecimento de outra forma de afeto se não a dele, a que me torturava aos poucos, até deixar uma casca vazia para trás, acreditava que sua negligência era uma demonstração de preocupação, um pai que buscava tornar seu filho mais forte. Então, percebo, eu não seria quem sou sem suas escolhas. Elas me moldaram, quebraram cada parte de mim, de novo e de novo, até esse resultado imperfeito e que não supriu nenhuma de suas expectativas.

Me pergunto quem eu seria se as circunstâncias fossem diferentes, se eu tivesse seguido o que foi planejado para mim, mas não importa. Fecho a mão direita em punho.

- Me observe. – Peço, embora soe como uma ordem e desejo por um segundo que seja. – Eu não irei destruir a Bratva e muito menos abandonar as promessas que fiz. Não posso esquecer o que você e Melina causaram, não é algo que possa ser revertido tão facilmente. – Respiro fundo. – Vou trilhar o meu caminho sem arrependimentos. Por isso... Observe. Eu irei te superar.

Deposito as flores em sua lápide. Sinto meu rancor desaparecer entre a dor da perda e forço meu corpo a se mover. Caminho em direção ao Bugatti Veyron que está estacionado próximo à entrada. O percurso é pequeno, mas me apresso para torná-lo ainda mais curto. E sei que só estou fugindo.

- O que o defunto respondeu? Estou bastante interessado em saber o que se passa na cabeça de alguém que não está mais vivo. – Garret me provoca. Não respondo. Meus ombros travam, minha postura dura, quase robótica. Ele está certo. Eu não deveria estar ali, mas acreditei por tanto tempo que estava fazendo o certo, que continuar buscando vingança significava trazer paz para Hefesto, que negar cada parte de mim me faria diferente de Nikolai. Aquele era o meu adeus. Então apenas sigo em frente, como fiz durante toda a minha vida.

Acelero o carro. Sinto o silêncio me engolir vivo, esfolando minha mente atrás das memórias sobre esse lugar — onde tudo começou. As centenas de vezes que tentei fugir, paralisado entre as árvores dessa mesma floresta. Quem eu era, o impostor que se sentia poderoso, que fingia ser imbatível, apenas para cair e quebrar. Meu passado grita nesse silêncio, mas não estou disposto a ouvi-lo. Não posso deixar o ruído me dominar.

Observo a sede da Bratva cada vez mais próxima. É uma construção realmente bonita, um edifício negro contrastando com todo aquele branco de um inverno eterno. Tento me lembrar de quando foi que aquele lugar se tornou uma prisão para mim, em qual dia eu percebi as correntes que me prendiam e quando as quebrei. Mas não consigo...

Estaciono o Bugatti em frente à entrada. Endireito meu corpo, olhos inexpressivos, movimentos calculados, como me foi ensinado. É involuntário. Respiro fundo. Quando percebo já estou sufocando sozinho, então saio.

Yure — um dos bajuladores de Nikolai — vem me receber. Sua presença me traz ânsia. Sinto o cheiro amargo de whisky que está impregnado em todo o seu corpo. Meus olhos o perseguem, atentos a cada mínimo movimento, medindo suas reações. Ele tenta escondê-las, mas é inútil. Percebo o seu desprezo por mim.