CAPITULO 57

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O dia seguinte foi ainda mais perturbador do que rolar dezenas de vezes na cama sem sono algum. Usei todas as táticas possíveis para tentar encontrar a maldita sonolência. A menos bem sucedida foi pegar meu dicionário, por que sempre fico um pouco mais animada com as palavras novas do que de fato devia. Pelo menos em minha cabeça não tem sentido nenhum ficar lendo palavras soltas. É como se eu não tivesse fazendo o serviço completo. No fim eu preciso encontrar contextos para  cada uma delas. Pra piorar não era um simples dicionário, era o dicionário! Tess sempre disse que eu era muito estranha, e isso me fez rir. Ela era minha principal incentivadora e pelo visto eu não tinha mudado tanto assim.

Depois de perceber que aquilo não estava funcionando muito bem eu deixei o dicionário na cômoda. Fechei os olhos e tentei não pensar em nada. Parece que quanto mais se tenta mais se pensa. Entre muitos pensamentos desconexos, me vi decepcionada com Douglas. Não conseguia entender porque ele não conseguia confiar em mim. Ele sempre me pedia confiança, mas quando o jogo virou ele não estava disposto a fazer o mesmo. Jurei a mim mesma antes de cair no sono que iria perturba-lo até que me contasse.

A aula foi intensa e mesmo assim me peguei olhando em volta sentindo falta de uma pessoa. Reparei que Marília havia perdido a aula. Achei estranho, mas o que mais eu poderia fazer? "Professora com licença vou ali e ja volto..." Eu não faria isso a não ser que a pessoa estivesse disposta a ser ajudada. Quando o sinal bateu nos liberando para o almoço a encontrei sozinha chorando, em um canto um pouco mais discreto do acampamento. Eu não estava procurando por ela, só estava tentado fugir de comentários maldosos e do olhar de pena dos meus amigos. "Não tenho muita culpa se ela pensou em vir para o mesmo lugar que eu." Pensei em ir embora, ignorar, mas meu coração apertou quando dei alguns passos para me afastar. Não me contive precisei me aproximar. "Droga de coração mole!" Reclamei comigo mesma silenciosamente.

- Oi, está tudo bem? - Perguntei me sentando no banco ao seu lado tentando soar o mais delicada que eu conseguia.

- Vasa! Ninguém te chamou. - ela uivou entre seus dentes. Ignorei suas palavras e me aproximei um pouco mais.

"Você gosta de ser capacho mesmo...Cruzes!" Meu subconsciente me alfinetou.

- Eu sou uma ótima ouvinte, acredite. - Ela me fuzilou com o olhar todo borrado, mas eu me mantive imparcial. Por baixo daquela pompa toda eu podia ver que ela estava tentando segurar o choro. Marília é orgulhosa demais para chorar na minha frente.

- Eu não preciso da sua piedade. - Ela tinha o rosto escondido entre as mãos novamente. Sua voz saiu um pouco menos afiada, mas ainda sim eu podia sentir repulsa saindo dela.

- Eu sei que não. - falei afagando suas costas delicadamente. Um pouco receosa.

Eu não sabia muito bem o que estava fazendo. O movimento foi uma surpresa tanto para mim, quanto para ela. Primeiro seu corpo pareceu tensionar, mas logo em seguida respondeu o que sua boca negava. Ela relaxou sob o meu toque. Diferente do que ela dizia a si mesma, ela precisava daquilo, de conforto. Fiquei em silêncio mais um pouco. Não sabia muito bem se devia dizer algo, e nem mesmo o que falar. O choro voltou, um pouco contido, mas voltou.

- Marília, eu quero que você saiba que eu sou uma ótima confidente e não vou contar nada a ninguém. Eu juro. Olha, quando precisar, estou à disposição. Quando se sentir melhor lave o rosto e vá almoçar. Não deixe de comer. Eu preciso ir agora, ou meus amigos virão atrás de mim.

Me levantei.

- Espera. - sua voz era fraca, seu olhos suplicantes e ao mesmo tempo cansados. - Obrigada. - Foi tudo o que ela conseguiu dizer e eu segui meu caminho depois de sorrir para ela de forma amigável. Não sei como eu consegui ser tão natural, talvez porque eu podia enxergar seu sofrimento assim como meus amigos enxergavam o meu.

Depois de deixar meu material no quarto almocei na mesa de sempre. Volta e meia eu sentia o peso de olhares sobre mim. Eu havia terminado com Érico, no entanto ele havia me ferido muito mais do que eu a ele. Meu coração doía só de imaginar o que passava na cabeça das pessoas ao meu respeito. Todo esse estresse estava me deixado com uma baita dor de cabeça. Mesmo detestando tomar remédio decidi ir até a enfermaria, talvez um analgésico servisse pra alguma das minhas dores. Eu estava com sintomas de enxaqueca, mas o remédio não pareceu ajudar muito. Eu comecei a me sentir pior. Meu coração acelerado, junto com o peito pesado. Minha ansiedade também havia atacado. Eu não conseguia entender aqueles efeitos colaterais e decidi voltar à enfermaria e perder um pouco do que o professor falava sobre nosso próximo projeto.  Pelo visto não era nada grave. "De todos os males o menor..." Eu só não lidava muito bem com remédios que continham cafeína.

- Laguna, antes de você ir preciso falar com você. Sobre sua amiga, Marília. Já entramos em contato com uma obstetra que estará acompanhando todo o processo. Segundo alguns exames conseguimos identificar que ela já está com mais ou menos dezesseis semanas - fiz uma careta me sentindo um tanto perdida. A enfermeira riu - está quase fechando os quatro meses de gestação. Ela precisa urgentemente encontrar com essa doutora, mas ela não parece muito preocupada com isso. Preciso que me ajude a convencê-la de como isso é importante e perigoso tanto para ela quanto para o bebê.

Minha cabeça deu algumas voltas.

- Eu vou tentar. - Falei quando percebi que ela estava esperando por algum resposta. - Eu vou tentar convencê-la.

- Ótimo Laguna, a obstetra chega ao acampamento amanhã e estará esperando por ela.

Engoli em seco. Eu precisava fazer Marília me ouvir e confiar em mim o quanto antes. Assenti com a cabeça e me levantei.

- Eu vou voltar para aula. Com licença.

- Toda. - Ela me respondeu e eu sai de lá com a cabeça a mil.

"Bem feito! Isso que dá se meter na vida dos outros."

Decidi fazer uma coisa que nunca nos fiz na vida. Ao invés de voltar para sala eu fui para biblioteca matar aula. Eu queria por alguns minutos fugir pra um  lugar em que eu seria apenas uma pessoa, sozinha pra ser mais precisa. Cruzei os braços sobre a mesa e apoiei a cabeça sobre eles.

- Lana. Lana. Acorda! - mãos balançavam meus ombros.

Abri os olhos um tanto desnorteada.

- Criatura, você tem sorte dos seus amigos terem vindo falar comigo. Você estaria em maus lençóis se seu sumiço chegasse aos ouvidos de Tuco. Ele está marcando bem pesado em cima dos campistas. - Douglas respirava um pouco mais calmo. - O que houve.

- Efeito colateral de remédio. Não estava me sentindo muito bem e não queria voltar para a aula. Fica tranquilo, isso não vai se repetir.

- Como assim efeito colateral de remédio? - Ele arqueou uma sobrancelha.

- Descobri hoje que não posso tomar remédios com cafeína. Estava com enxaqueca.

- Se sente melhor?

- Um pouco. - Respondo coçando os olhos.

- Ótimo! Agora vá jantar com seus amigos ou você realmente se meterá em problemas.

Ele saiu de lá junto comigo me fazendo companhia até o refeitório.

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1230 palavras

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Juro que estou tentando não demorar, mas só pra terem noção tive que reescrever esse cap umas 4 vezes sem exagerar.  Beijoo
Me digam, o que estão achando?

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