Capítulo 80 - Fabíola Hadassa

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Depois de algumas horas, Thomas volta do escritório ainda em ligação. Não entendo porque ele passa tanto tempo falando ao telefone. Não sei como ele não sente dor de ouvido, pois quando o meu pai me ligava eu conversava três minutos com ele já ficava agoniada louca pra desligar logo. Talvez seja pelo motivo dele só saber ligar pra reclamar, colocar defeito em tudo, já chegava em casa procurando algum erro. Até onde tava tudo certo ele conseguia achar algo errado, vivia me julgando, acusando injustamente, mesmo sabendo que tal coisa tinha sido o Diego que havia cometido, mas a culpada sempre era eu. Às vezes eu fico tentando imaginar como eu consegui viver vinte e dois anos naquela casa com eles, onde ninguém conseguia ver qualidade em mim, só defeitos. Mas como diz o ditado, você nuca saberá quão forte você é enquanto você não for obrigada a usar toda a sua força.

E por falar do meu pai lembro que já tem um tempinho que não falo com ele. Não sei se está bem, se está morando no mesmo lugar ou se o meu irmão já voltou pra casa. Estranho também é até hoje não ter me ligado, ele não conseguia ficar um dia sem falar comigo. Na verdade, não consegue agora, já que antes morávamos na mesma casa.

Mas depois que vim embora pra Lisboa, por querer se redimir, recebia umas três ou quatro ligações por dia. Eu ainda não consigo ver firmeza nas palavras dele, talvez seja porque eu estou muito machucada por dentro. Além disso, é estranho ele ter passado anos me odiando e quando soube a verdade começou a me amar de uma hora pra outra.

Thomas encerra a ligação e se aproxima, se sentando ao meu lado.

— Por que você está tão pensativa hoje, meu amor? O que houve, não gostou da nossa noite e está sem jeito de me falar? — ele pergunta, acariciando meu rosto.

Às vezes acho que estou sonhando e que esse homem é imaginário. É muita perfeição pra uma pessoa só. Mas se isso for um sonho, por favor, não me acorde, quero continuar sonhando.

— Não, meu amor, não é nada disso. Apenas lembrei do meu pai e das coisas que aconteceram entre eu e ele. — respondo.

— Mas por que você fica triste quando lembra da sua relação com seu pai? Vocês não eram felizes?

— Nossa relação era umas das piores. Fui torturada e odiada por ele durante todos esses anos e só soube o verdadeiro motivo quando decidi vir para cá.

— Mas como assim? Me explica direito. — vejo uma rugazinha de dúvida em sua face e logo começo a explicar.

— O meu pai sempre foi rígido comigo, às vezes até ultrapassava os limites, me acusando de erros que não havia cometido. Por exemplo, se guardava algo em algum canto e depois não se lembrava onde era, aí você já viu né, era um motivo dele dizer que eu era culpada. Se no trabalho teve algum desentendimento com um funcionário porque não teve tempo de concluir tal coisa, eu era culpada. Às vezes eu estava em casa, de boa, assistindo um filme com minha amiga no sofá e ele já chegava irado, me xingando. Eu não gostava de levar ninguém em casa pois tinha medo do meu pai acabar expulsando a pessoa e me fazer passar vergonha. Parece que essa era a função dele: me envergonhar em público. A única amiga minha que meu pai gostava era Lay Oliver, pois também era filha de um amigo dele e ela já o conhecia o suficiente pra saber como era nossa relação, então assim que ele chegava nós íamos para o meu quarto, ou ela ia embora. A minha vida era chorar pois os lugares que me faziam bem eram a escola, trabalho, igreja, menos dentro de casa. Eu não conseguia encontrar nem um motivo pra sorrir.

— Nossa, que triste. Não sabia dessa sua historia. Mas por que todo esse ódio que sentia por você? Ele já te contou o motivo, não?

— Ele não me contou, eu descobri. Ele passou esses anos todos me culpando pela morte da minha mãe, acredita?

— Meu Deus... Mas como você descobriu? A sua mãe morreu no parto, não foi isso? Como você ia ser culpada se ainda era uma bebezinha?

— Eu estava descendo a escada pra tomar café e contar para ele que ia me mudar, quando cheguei no topo da escada o escutei conversando com alguém, a voz alterada. Percebi que era o médico da família, então fiquei escondida ali pra ver onde essa conversa ia. E foi aí que eu descobri que ele nunca quis ter uma filha mulher pois achava que atrasaria muito sua vida e os seus planos. Por minha mãe ter morrido no parto, sempre achou que o motivo era a gravidez dela ter sido de risco.

— Mas não foi exatamente isso? — ele pergunta.

— Não. Logo no começo da gravidez ela descobriu que tinha um tumor na cabeça que estava muito avançado e já tinha se tornado câncer. Por meu pai não ter sido tão presente em sua vida, ela não teve oportunidade de dividir com ele todo esse sofrimento. — digo, me lembrando de como foi difícil a vida da minha mãe, enfrentado tudo isso sozinha, e lágrimas começam a cair.

— Você não precisa terminar se isso te deixa triste. Vamos mudar de assunto então, não gosto de te ver chorar.

Ignoro o que ele diz e continuo.

— Quando eu descobri tudo isso acabei me desequilibrado e caindo da escada. Fique uns dois dias no hospital, desacordada. Sabe, Thomas, o meu pai me machucou muito com palavras e atitudes.

— Eu sei bem como é. Tem palavras que são como cacos de vidro, eu prefiro engolir e me cortar por dentro do que jogar para fora e cortar alguém. Mas você já o perdoou, certo?

— Perdoar eu até perdoei, mas ainda tá difícil esquecer, entende. O que estou achando estranho é que ele não me liga já faz um tempo, deve ter se arrependido de me pedir perdão.

— Talvez ele esteja muito ocupado ou até mesmo perdeu o telefone, não fica se torturando sem saber o motivo.

— Nossa, Thomas. Agora que lembrei que não passei o meu número novo para ele. Gente, como eu sou esquecida, provavelmente está apavorado sem notícias minha. Vou entrar em contato outra hora.

— Por falar em hora, está na hora do almoço.

— Verdade, nem vi o tempo passar. Ah! Já estava me esquecendo. Vou precisar da sua ajuda, Thomas.

— Minha ajuda? Claro, para o que?

— Pra encontrar Kathe.

— Ainda com essa história?

— Sim, não vou sossegar até encontrá-la.

— Ela deve ser muito sua amiga pra você querer encontrá-la tanto assim.

— Na verdade, não. Conheci ela em uma palestra e com isso trocamos telefone, mas sinto que preciso vê-la de novo.

— Certo. Depois do almoço falamos mais sobre isso.

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