eu não estive com ele

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O amor é fogueira, e eu não tive tempo para me aquecer.

Você põe o amor na assadeira, enfia no forno, e deixa ele crescer, deixa ele dourar, deixa ele se moldar em como você quer que ele fique. Mas ele nunca fica do jeito que você quer. Às vezes tem pouco fermento, então ele não cresce. Às vezes tem demais, então ele escapole do forno. E às vezes você nem quer assá-lo, mas ele já aparece pronto. E eu não tenho tempo nem urgência de vigiá-lo, de enfiar o palito, de checar se está massudo ou não, e quão fofo ele ficou. Não, não. Esse tipo de receita é perigosa. Eu prefiro não me arriscar. Eu não me arrisco. Eu não me formei para servir catástrofe & vexame. Não, não. Tenho receitas mais confiáveis que essa. O amor se come quente. Eu não gosto de queimar a língua.

Meu problema com ele começou assim, quando percebi que não pensava nele somente quando eu decidia me tocar com seu nome na cabeça. Foi algo muito mais aturdido, algo mais sinistro do que gemer com as lembranças do possível ex, quando estava na cama ou em qualquer outro lugar que já nos beijamos. Eu não costumo me perguntar por que é que não posso tê-lo, porque não faço questão. E eu também não odiaria se eu pudesse apenas deixar que isso passe. O problema começou quando ele não estava comigo e eu queria lhe recomendar uma música. Mas não podia alcançá-lo. A questão não é eu ser um cuzão e não lhe mandar uma mensagem ou ter sumido para o quinto dos infernos. Não. A questão é: eu não quero ter de fazer isso. O problema aumentou quando criei uma lista de receitas que poderia preparar para ele. Que ele gostaria, porque uma vez eu o conheci. E quando nos afastamos, de repente nos tornamos os estranhos que conhecem os segredos & gostos & desgostos & cheiros um do outro. O problema já tinha começado, na verdade. Eu é que nunca soube admitir muito bem as coisas.

Eu sei que daqui a alguns anos me empurrarão contra a parede e dirão que devo arranjar uma família própria, alguém a quem voltar quando o dia for longo, alguém a quem beijar no batente da cozinha, quando a pizza estiver assando sob a temperatura correta. E eu confesso que estive tanto num corre de ser suficiente para mim, que confesso nunca ter tido tempo para ser suficiente para alguém. Eu passo muito rápido pelos lugares. Passei muito rápido pelo coração de muita gente. Mas... Eu não gostaria de forçar as coisas. Às vezes eu estou rindo e me dou conta de que gosto muito de alguém. Um dia eu ri com ele e percebi que gostava demais dele. Demais.

Eu não acredito em alma gêmea. Eu acredito em momentos. Talvez eu agora seja a alma gêmea de alguém, mas daqui a dez anos, talvez eu seja a alma gêmea de outra pessoa. É só questão de conexão. É como um sinal que oscila. Como um sinal de internet ruim, que às duas da manhã é rápida e limpa, mas ao meio-dia é tosca de tão lenta. Há momentos que as peças se encaixam. Há momentos que as peças não se encaixam. Como fazer um molde de uma peça que cobrirá a outra, porém fazer a medição durante uma noite de inverno. E quando estiver pronta, tentar usá-la sob o sol do verão... Não vai encaixar muito bem, você sabe. Há física envolvida, há dilatação térmica da peça. Há momentos e momentos para as coisas. E me pergunto se nosso momento ruim já passou, para ver se tentamos algo. E, para ser honesto, eu não sei muito bem se eu quero tentar. Digo... Se quero namorar com Noah por agora, se houvesse a chance. Eu queria ter certeza.

— Que demora do cacete... — Krystian resmunga ao meu lado, ajeitando o tanto de malas que ele trouxe, além do terno.

Eu estou molenga e cansado. Porque nossa aventura dias atrás com a despedida de solteiro foi um lixo. Todas as fotos e vídeos nossas são vergonhosas. Sinto vergonha de todos os momentos que falei besteira ou fiz uma expressão exagerada demais. Ou sobre o brinde bêbado que fiz ao casamento do meu amigo. Ou como fiquei olhando Noah dançar. Ou como fiquei olhando Noah comer. Ou como fiquei olhando Noah beber e pedir mais, depois rir, depois dizer que estava tonto. Ou de como dei tapinhas nas suas costas quando vomitou no mar. Ou como toquei sua cintura sem querer, antes do seu namorado chegar e lhe pegar no colo com um beijo no pescoço e uma voz arrastada. Entende isso? Entende isso?

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedWhere stories live. Discover now