eu não namoro

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Há uma canção de Harry James e Helen Forrest chamada It's been a long, long time. E eu costumo escutá-la nas minhas noites de jazz. Mas dessa vez, talvez tenha batido com muita força em mim. Algo como um "me beije uma vez... então, me beija duas vezes... então, me beije mais uma vez... já faz muito, muito tempo". Porque sim, já faz muito, muito tempo. Muito tempo. E quando percebo o "nunca pensei que você estaria aqui na minha frente, tão perto de mim" e o "não me sinto assim, meu bem, desde que não consigo lembrar", eu caio na cama com as mãos cobrindo o rosto de vergonha e desespero por estar apanhando de uma canção pequena dos meados do século passado. Chega a ser cruel.

Estou até com um pouco de sono, porém não crente de que conseguirei dormir facilmente quanto gostaria. Ou talvez seja nisso que eu gostaria de acreditar. Espero que as luzes do corredor se apaguem, e ainda converso um pouco com Krystian quando ele vem até meu quarto falar comigo. Mas já é tarde, tarde demais para ter alguém ainda de pé, querendo bater papo. Só Noah, acredito eu, que está disposto a isso. Ele deve estar me esperando à beira da piscina. E eu aqui escutando jazz e pop antigo baixinho.

Dentre We'll meet again e a repetição de "life could be a dream" em Sh-boom, eu fico olhando o horizonte escuro na sua imensidão e pensando na estupidez de escutar canções tão amáveis, mas não querer sentir tudo isso na vida real. Talvez eu me identifique com algumas, porque retratam sentimentos ou situações que já passei, mas não acredito que eu seja tão romântico assim. E é fatídico pensar nele escutando elas. Porque só ele surge na minha cabeça.

No meio da minha playlist, quando surge uma canção que diz "estou confessando que te amo", logo no início eu já encerro as atividades da aplicação móvel e me levanto da cama. Nas pontas dos pés, saio do quarto e desço as escadas. Uma porcaria ter de confessar amor. Uma porcaria ter de sentir a necessidade de confessar amor. Eu não confessaria amor. E de todas as vezes que alguém me confessou, senti vontade de correr e nunca mais pôr a cara no mundo. Onde já se viu? Sinceramente, onde já se viu...? É patético.

- Olá, noahzinho-urregay Tchubi Raum Daum Daum - cumprimento, sentando-me ao seu lado, pertinho da piscina. Ele está sem camisa, apenas vestindo uma calça de pijama.

- Tem como não mencionar aquela vergonha? - ele pede. Quando vira-se para mim, noto o cigarro entre o indicador e dedão. Ele o põe na boca.

- Não - eu rio. Ele sorri para mim no mesmo instante. - Pare de fumar, Noah.

- Só tenho esse horário para isso, então não acabe com meu momento, por favor.

- Você sabe que todo mundo sabe que você fuma escondido, né? - abraço minhas pernas e ele fica me olhando por alguns segundos.

- Sério? - ele ainda parece surpreso com isso. Eu concordo com a cabeça e noto quando ele se aproxima um pouco de mim. - Você deve ter inventado.

- Nem tenho tempo nem paciência para inventar histórias, Noah - apoio meu queixo nos joelhos e me balanço um pouco. - Noah? Por que a gente não vai comprar um celular para você? Se quiser, eu pago...

Sei nem porque perguntei, a resposta é totalmente previsível.

- Não precisa, não - ele dá umas batidinhas no cigarro em cima do cinzeiro, expelindo a fumaça. - Agradeço a proposta. Mas eu prefiro comprar um de idoso lá nos Estados Unidos.

Eu rio.

- Aqueles que têm botão de chamar ambulância e polícia bem gigante?

- Esses mesmo - ele chacoalha o cigarro no ar e ri comigo.

E agora que estico as pernas e me apoio para trás, ficamos em silêncio por um tempo olhando o nada. E, do nada, ele se aproxima com seu calor para tentar me beijar. Eu capto suas intenções e recuo, olhando seu rosto sem saber de fato o que fazer. Ele está tentando ficar comigo? Depois de tudo aquilo? Para depois ficar dizendo que me ama e que devo ficar com ele para o resto da vida? Não, obrigado.

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon