eu só estou cansado

722 146 316
                                    

Às vezes olho para mim e questiono algumas coisas. A maioria, positivas. Mas há dúvidas. Resquícios da minha era impostor da adolescência. O medo de eu ainda ser a mesma pessoa ou de ter meus segredos revelados. Sou o que sou ou sou uma farsa que se passa por alguém que não existe, mas que eu gostaria que existisse e, portanto, teimo em tentar torná-lo real, porém nunca tenho êxito? Período longo, compreendo. Mas as dúvidas permeiam aqui, acolá. Até me seguem, vez ou outra, quando preciso ir ao banheiro. Sou real? A fragilidade do meu coração me assusta. É como um pensamento que é criado, porém no segundo seguinte se esvai. Eu sou assim.

Vejo o olhar de pena de Noah. Ele não sabe nada sobre mim. Chego a odiá-lo por um segundo. Olho para esses olhos claros e sinto raiva. Quero afastá-lo de mim. Mas eu não acho que conseguiria fazer maldade de propósito com ele. E esse é o problema. Sou um desastre sem querer.

— Aqui — ele me entrega o copo de alguma bebida que o barman acabou de pôr sobre o balcão. — Bebe, se quiser.

— Eu quero — ajeito o corpo sobre a banqueta e viro tudo num gole só. Noah fica a observar-me, e bebe o dele aos pouquinhos.

— Tudo bem? — quer saber, logo após eu ter posto o copo de volta. — Parece meio preocupado ou doente... Não sei, mas não parece estar bem.

— Eu só preciso beber mesmo — lhe respondo. — Valeu.

— É que você falou agora há pouco sobre casamento e...

— Noah, eu não sei se você percebeu, mas... Eu não quero falar sobre isso, tá? — tento ao máximo não soar rude, porém reconheço que falhei. — Desculpe.

— Não, eu que peço desculpas... — abana a cabeça. — Fui invasivo, então... É isso.

Não digo mais nada. Peço outro copo disso. Tem gosto de framboesa, só que bem artificial. Mas tem bastante álcool. Deve ser um dos coquetéis malucos que Krystian inventou com Hina. Até que prestou. Peço um outro depois desse. Depois um outro. E outro. E outro. E agora fiquei viciado nessa porcaria. Pergunto o nome e, segundo o cara das bebidas, eles decidiram chamar de YoshWang — os sobrenomes dos noivos — e que é uma mistura de... Sei lá, não prestei atenção nesse parte — e olha que sempre presto atenção nos ingredientes. E quando pergunto se tem framboesa, ele diz que foi justamente a primeira coisa que me disse.

— Dá um desconto, moço — Noah Urrea intervém, com seu falatório protetor. — Ele bebeu demais.

— Não bebi, não — faço como quem vou me levantar, mas erroneamente calculo a distância segura para começar a andar, então me bato com a banqueta e tombo para o lado de Noah. — Nossa, quase caí.

— Benzinho, você bebeu demais — faz carinho nas minhas costas. — Você está bem mesmo? Porque você surtou um pouco, se dopou de álcool e agora está caindo pelos cantos...

— Não, estou bem... Eu só estou cansado... — resmungo. Vejo Hina sair do banheiro, um pouco melhor, com o ruge do rosto tornando-o ávido. — Estou bem melhor, eu acho. Cadê Bailey?

Noah olha ao redor, mas não desprende-se de mim. Serpenteia minha cintura com seu braço e corre os olhos pelas pessoas famintas que comem, e as energéticas que dançam. Ele não está em lugar nenhum.

— Sumiu também — me responde, mas não lamenta. Vira o rosto para mim outra vez e olha-me com carinho e zelo. — Por que procura ele?

— Sei lá — dou de ombros. — Ele falou que ia beber. E também estou meio traumatizado... Todo mundo está sumindo, né?

— Calma, eu estou aqui... — agora ele joga o outro braço ao redor de mim. — Caramba, você está com cheiro de álcool puro.

— Vou trocar de roupa — aviso. — Eu ia aparecer na festa com uma roupa diferente do casamento e... Como não vai ter casamento, vou me trocar para a festa. E você trate de ficar bêbado também e não me apareça com aquele chapéu ridículo, não.

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedWhere stories live. Discover now