eu vou desligar

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Hoje vou ter minha reunião com a produção na emissora. Mais tarde apareço no restaurante e, após isso, vou ao shopping comprar o celular de Noah. Por isso, não tenho muito o que me preocupar. Só espero chegar em casa pela noite, então pego o essencial. Aviso a Lamar que estarei fora durante a manhã e provavelmente no início da tarde, mas que não deva se preocupar. Vou só resolver algumas coisas.

Eu amo ir à emissora, porque todos me tratam bem. Acho que têm medo de mim ou algo do tipo, talvez pela personagem que monto durante o programa. Honestamente, não me considero tão duro, embora eu seja bem crítico. Mesmo assim, acho que as pessoas gostam de mim. Até me encontram pelos corredores parabenizando minha volta, uma vez que daqui a algumas semanas iniciaremos as gravações de Cook & Taste.

Como os bolinhos que me ofereceram na chegada, assim que pus os pés na sala de reunião. Eu pensei que viria uma ou duas pessoas, mas a realidade é que há mais pessoas do que eu sequer sabia da existência. Essa equipe de produção está diferente, pois há um punhadinho de gente que não é de Cook & Taste. O que significa que não iremos falar do programa em questão. Isso me deixa nervoso demais.

Eu tento me manter calmo enquanto um dos co-produtores, Brian, começa a encher-me de elogios e dizendo quão adorado pelo público eu sou. Eu já penso: caralho, vão me chutar da emissora. Mas não. Aos poucos, ele vai contando que estão pensando num novo programa comigo. Algo como 10 Places With Josh ou Beauchampions ou algo mais voltado para culinária — aliás, as pessoas amam brincar com meu nome.

Funcionaria assim: em uma temporada de programa eu iria para dez cidades diferentes do mundo. Em cada cidade eu passaria dez dias. Em dez dias, cinco seria num restaurante, cinco em outro. Eu teria de trabalhar nesse restaurante de comida local para mostrar como é o preparo da culinária típica. Eles teriam de me tratar como um deles, como um aprendiz, e no final desses cinco dias eu teria de agradar o chef do restaurante que trabalhei ao preparar sozinho uma refeição da culinária local. Além de trabalhar no restaurante, também irei fazer turismo e mostrar locais interessantes da cidade. O chef me daria uma nota de 0 a 10 pelo prato e, depois, quando as viagens terminassem, eu iria reproduzi-las no estúdio como num tradicional programa de culinária.

— Mas por quanto tempo eu ficarei viajando? — eu quero saber, porque eu tenho meu restaurante para cuidar também.

A resposta que tenho é que irão dividir a temporada. Iremos gravar em cinco lugares num semestre do ano, e em outros cinco no outro semestre. Serão quatro meses de viagens nessa brincadeira, incluindo as semanas de folga entre uma viagem e outra para a equipe descansar e preparar os equipamentos e materiais. Isso só para uma metade da temporada. Após me explicar isso, tenta me convencer a aceitar mostrando os benefícios à minha carreira. A eloquente conversa tende a deixar-me tentado a aceitar, mas digo que irei pensar e darei a resposta a eles. Pedem que eu faça o mais rápido possível, pois as gravações certamente irão iniciar no primeiro semestre do ano que vem e precisam resolver inúmeras burocracias.

Por fim, me mostram o contrato e quanto é que vou ganhar só na primeira temporada. Bastante, bastante, bastante dinheiro. Um programa só meu, em que sou apresentador e viajo pra tudo quanto é canto do mundo... Caramba, nem posso acreditar. Saio da emissora bebendo bubble tea sem nem acreditar nisso. Estou morto de fome, mas não vou para lugar nenhum que não seja o restaurante. Conto exatamente tudo ao Lamar e ficamos fofocando sobre o assunto por umas duas horas. Eu estou extremamente animado com isso.

Mal consigo focar no trabalho, sendo honesto, essa notícia mudou tudo para mim. Agradeço o árduo trabalho da minha equipe hoje, e é quando estou de saída que Erick comenta sobre eu comprar o celular de Noah. Toth! Eu esqueci completamente disso! Amanhã vou ter com ele uma conversa sobre esse assunto do celular, espero que não fique bravo. Mas também, é muito difícil entrar em contato com ele sem um celular. Eu não posso ir presencialmente sempre.

De carro vou ao shopping. Como estou sonhando com minha cama, decido que não vou demorar muito. Queria vir com Noah, mas ele não iria me deixar pagar, então é melhor eu fazer a surpresa mesmo. Escolho um com boa memória interna, RAM, câmera e bateria. Compro com o meu próprio dinheiro, ao invés de passar no cartão. O moço da loja é super educado, mas acho que é porque estou comprando algo caro. De todo modo, bato-me com a loja de uma operadora e fico tentado a comprar um chip novo para ele junto com um plano bom. Na dúvida, ligo para os meninos.

— Já comprou? — Joel diz ao aceitar a chamada.

— Já — respondo, dando uma olhada na caixa do celular dentro da sacola personalizada da loja. — Estou pensando em contratar um plano...

— Não! — Erick grita. — Cristo, Josh! Faz isso não.

— Nossa, garoto... Precisava gritar? — reclamo.

— O pivete tem razão — Joel concorda com Erick. — É melhor não. Se ele nem queria o celular, quem dirás você pagar plano pra ele.

— Mas é mais prático, não? — me encosto na parede ao lado da entrada da loja.

— Não, Josh... Para — a voz de Erick surge outra vez. — Vai por mim, o menino vai detestar. A não ser que ele esteja contigo só por interesse.

— Ele não está comigo por interesse — lhe respondo.

— Então ele vai detestar — prossegue. — Ou ele vai fingir que gostou, mas vai ficar desconfortável e rezando para que isso termine logo. Ainda mais que você está fazendo isso no início do namoro, aí se vocês terminarem, você vai simplesmente parar de pagar. Não estou dizendo que vocês vão terminar... Mas é como se... Como se isso fosse simbolizar o namoro de vocês. Se você parar de pagar, então tem algo errado no namoro.

— Sim! Eu pensaria assim mesmo — Joel concorda. — Além do mais, vai fazer ele ficar dependente de você. Você pode ajudá-lo a conquistar algo, mas nunca dar de bandeja pra ele. Isso torna a pessoa dependente de você e é horrível estar num relacionamento em que você é dependente de alguém. Digo isso porque ao meu redor, desde criança, vi isso e também vivenciei.

— Relacionamento de dependência é daqui pra lá pra virar relacionamento tóxico — Erick complementa.

— Gente, eu não vou arrancar a alma dele, não! — me defendo.

— Mas o negócio não é você, vida — Joel volta a falar. — É ele. Vai que na cabeça dele ele fica meio mal com tudo, se sentindo dependente de você e tudo mais... E se em algum momento ele ficar infeliz com a relação e não puder falar ou romper porque, de alguma forma, em inúmeras coisas da vida dele você colocou o dedo e é difícil arrancar? E se de repente você não quiser terminar e ele ficar preso no relacionamento apenas pra te agradar, porque tem uma dívida contigo por todas as coisas que você fez na vida dele?

— Tá, então nem pedi o menino em namoro e vocês já estão dizendo que vai terminar em caso de polícia — solto um suspiro e vou para longe da loja.

— Só tô dizendo o que já vi por aí — Joel blinda seu discurso.

— Respondemos sua pergunta, Josh? — Erick toma o controle outra vez.

— Tá bom — respondo. — Valeu por dizerem por umas trezentas vezes que meu relacionamento vai ser tóxico, Chernobyl, e que vou ser puta abusivo no namoro.

— Foi só um exemplo, seu rude — Erick reclama.

— Tá, eu vou desligar — e desligo.

Tomo um sorvete para alegrar um pouco o corpo, depois me mando para casa. Fico pensando em escrever o bilhete de namoro, mas me impeço no mesmo instante. Porque... Agora as coisas mudaram. Mudaram outra vez. Mudaram real. Eu acho que vou aceitar, vou assinar o contrato, então... O que vai ser, então? Daqui a alguns meses vou estar viajando e ele vai ficar aqui sozinho, então que diferença faz? Tipo... Talvez eu deva pensar mais no assunto, não? Eu acho que sim.

Lamar me manda inúmeras mensagens sobre o assunto, querendo saber mais detalhes e eu olho a caixa do celular sobre a mesa sem saber o que fazer. Um fato sobre minha viagem à Itália é que o prazer de não ter nada com que me preocupar, que não fosse meu restaurante, foi um sentimento indescritível. Agora vou passar oito meses do ano fora e apenas quatro deles passarei com meu namorado... Nice! Isso é incrível!

Eu jogo o pedaço de papel fora e apareço com uma garrafa de vinho para beber. Hoje à noite promete.

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedWhere stories live. Discover now