eu nunca te julgo

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Eu sabia que iria beijar Christopher pra caramba, só não sabia que iríamos transar no banco de trás do seu carro — que descobri tratar-se de uma propriedade sua trinta minutos antes de ter minha calça abaixada lá dentro mesmo. Eu não tinha certeza se isso iria mesmo acontecer, mas estávamos lá, olhando as luzes da cidade, ao final do crepúsculo, encarando a vista. E eu até fui inocente, sim. Fui de verdade, até tentei fazer o sonso quando as coisas esquentaram. Mas não deu, eu já estava no banco de trás do carona e suas mãos já estavam em mim. Então pensei: por que não?

Eu nunca antes tinha feito isso com ele, então eu me senti estranho, de início. Mas Christopher cresceu, não é mais aquele estrangeiro fofinho que beijava bem e mal sabia pronunciar manteiga em francês. Além do mais, ele foi carinhoso e me levou para casa assim que nos vestimos. Ainda deu-me um beijo de despedida e iludiu-se com um pedido de que eu sonhasse com ele quando fosse dormir. Eu não sonhei com ele, então isso me deixa aliviado.

Como estou cansado, decido tirar o domingo para mim mesmo e somente. Olho-me no espelho e constato a desgraça formada em meu pescoço — porque além de ter mãos grandes para apertar, ele também ama deixar marcas e eu nem sei o porquê. E eu também não estava racional o suficiente para dizer-lhe que não o fizesse, pois estava ocupado com outras coisas. Nossa. Uau. No banco de trás de um Hyundai.

Preparo meu café, ainda de pijama, então levo o prato e um calção de banho até a cobertura. Trago meu óculos de sol favorito e um copo de suco de laranja com açúcar até demais. Só quero relaxar e sentir-me bem, para depois lidar com as pressões e movimentações da semana. Domingos deveriam ser eternos.

Domingos deveriam ser eternos, mas não porque o sol está forte e eu quero que afunde-se em mim e marque minha pele — assim como Chris fez noite passada —, mas porque a sensação de paz e calmaria deve ser minuciosamente degustada e 24 horas apenas não é nada para isso. Exatamente nada.

Sendo assim, respondo a mensagem de bom dia de Christopher, perguntando se estou bem e dizendo que está se sentindo maravilhado. Ele não usa palavras difíceis, então isso me surpreende. Mas hoje é meu dia, então bloqueio o celular, livro-me do pijama, enfio as pernas dentro do calção de banho e derrubo o corpo na piscina da cobertura.

Minha piscina, meu sol, meu bronzeado, meu café da manhã fritando neste calor matinal. Meu, meu e meu. Sou somente meu. Não tem ninguém para me usar, não mais. Não tem ninguém para me trair, não mais. Não tem ninguém para virar-me as costas, não mais. Não mais. Apenas eu, eu e eu. Eu, minha piscina e meu nado borboleta que aprendi aos doze anos de idade, com o cara assanhado que sorria torto e aparecia semanalmente, bêbado, para dar-me aula. Perguntava-me se ele ia mesmo para as aulas ou para agarrar a empregada do térreo na dispensa da cozinha. Eu tinha doze anos, mas já sabia como ela gemia. Ninguém nunca acreditou em mim.

Eu sei que hoje é um dia maravilhoso para estar pensando nessas coisas, mas de repente me sinto grato por tudo ter mudado. Por eu ter mudado, me mudado, me moldado. Por ter saído de casa antes das coisas pegarem fogo, se destruírem, desmoronarem. Não só previ, fiz de tudo para me proteger daquilo. E então veio a França, que começou com leituras noturnas de Le Petit Prince e o caderno de receitas do meu avô, e de repente terminou com meu indicador cortado e uma beca de formatura ridícula. Tão ridícula era a beca que nem eu fiz o favor de tirar, pois lembro-me que havia alguém comigo para fazer por mim. Tive tantos namorados europeus que esqueci sobre os americanos por uma porção de anos. Quase, na verdade.

Festejos de família eram os piores, para ser honesto. Eu perdia aula, viajava a esmo para ver um monte de abutre numa ceia, mentindo sobre conceito de família e união. Eu não entendia o porquê das reuniões, mas eu era tão insuportável, que respondia em francês tudo que me questionavam, só para tirar todo mundo do sério. Eu não gostava do modo como meus pais se tratavam, não gostava do silêncio do meu irmão, não gostava da simpatia da minha tia, não gostava dos olhares do meu tio, mas eu gostava de quando o primo Ben não usava camisa e passava pela sala. Todo mundo ali tinha dinheiro, mas eu dei no pé para buscar a felicidade. O sufocamento daquelas paredes brancas iria me matar.

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedWhere stories live. Discover now