eu não acho isso preocupante

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Após Noah, eu realmente namorei. De verdade, de verdade. Não porque estava apaixonado por ele, mas porque estava apaixonado pela sua companhia. Noah deixou-me efeitos colaterais, me acostumou muito mal, então senti uma necessidade de estar acompanhado por alguém, mesmo que eu não gostasse de algo do tipo. Surgiu-me Andres, com suas sobrancelhas grossas e sua impaciência em fazer a barba perfeitamente. Ele gostava de mim, então pensei: por que não?

Não que eu estivesse desesperadamente precisando de alguém, mas havíamos ficado por vezes demais para não questionarmos o que iríamos ser. Eu não queria um namorado, eu só queria alguém que pudesse estar comigo na mesma frequência em que Noah ficava, porque eu certamente iria enlouquecer com essa mudança repentina - até porquê, eu e Noah ficamos bastante tempo na sola do outro, era óbvio que eu iria sentir um pouco de desconforto pela ausência, uma vez que acabei por acostumar-me com seu grude, antes repulsivo, e o jeito carinhoso de me tratar. E foram essas razões que me fizeram concordar com um namoro, porém acabamos por pactuar com um relacionamento aberto. E foi isso o que aconteceu.

Meu negócio com o amor é demasiadamente complicado. Não me esforcei nem um pouco com Andres, a última coisa que gostaria que acontecesse seria apaixonar-me. Amor iria complicar tudo, lambuzar tudo, estripar todos os meus planos. Meu professor francês de filosofia vivia a conversar comigo e, honestamente, enchia-me o peito de alegria pegá-lo na saída da aula para conversarmos sobre o futuro, sobre anarquismo e coisas mais. Eu não era chegado na matéria, não sei muito sobre, eu sempre dormia nas aulas dele. Mas eu gostava dos nossos papos particulares, ele me dava esperanças quando eu pensava em desistir de tudo. Um adolescente inseguro e sua síndrome do impostor, era eu.

Contei a ele meus planos para o futuro, onde queria chegar, o que queria alcançar. Disse-me que era bom sonhar, criar metas, saber por onde ir, por qual estrada seguir. Concordei. Foi então que o tal homem disse-me que a vida era um tanto inesperada. Concordei outra vez. Acrescentou que nem tudo é como um filme popular em que sabemos o final e que às vezes nossos planos podem mudar. Concordei também. Exemplificou com "vai que você se cansa do emprego, se apaixona, pinta o cabelo e vai morar na América do Sul?" Não concordei. Questionei: e jogar todos meus planos no bueiro? "Às vezes as coisas mudam", foi o que respondeu-me, cofiando a barba grisalha. Então eu percebi que faria de tudo para que isso não acontecesse comigo em hipótese alguma. Não porque queria provar ao meu professor que às vezes as coisas não precisam necessariamente mudar, mas porque queria fazer valer o meu esforço de anos e não trocá-lo facilmente por sentimentos de semanas.

Eu sei que às vezes sinto-me frustrado e sozinho, mas isso faz parte da vida. Se eu quiser me apaixonar, talvez eu possa tentar agora. Se eu quiser pintar o cabelo.... Bem, eu acho que já o fiz vezes demais. Se eu quiser me mudar para a América do Sul, pedirei gentilmente para me internarem num hospício. Nunca fui de ficar parado, mas agora estou um pouco cansado. Me sinto um borrão em movimento em todas as fotos, que ninguém sabe se esteve ali ou foi puro delírio coletivo. Não, nunca vou mudar meus planos. Mas também não quero me aprisionar outra vez. Minha adolescência foi um estrume.

- Você quer bala? - pergunto, pois aparentemente virei motorista da Uber agora. Podem rodar comigo, galera.

- Não, valeu - ele nem olha para a minha cara e me pergunto até quando vamos ficar nessa. - Já estamos em Hollywood Hills, então já vamos chegar.

- Uhum - concordo, olhando o retrovisor externo antes de mudar de faixa.

Quando finalmente reconheço o nome da casa de eventos, dou graças a Deus por termos chegado logo. Pensei que iríamos conversar um pouco mais, mas não fizemos. Ele está de barreira erguida, queria que tivesse um buraquinho para eu espiar e saber quando poderei conversar com ele de maneira íntegra e honesta. Mas acontece que ando com muito medo para falar um "a" sério com ele.

Ele sai antes de mim, quando estaciono o carro no estacionamento. Me apresso para tirar o cinto e entrarmos juntos no local. Ele não está sendo arrogante ou rude, ele só demonstra não se importar. Só quero saber se isso é aparência ou é algo real. Nem consigo respirar perto dele, nem tenho como tirar minhas próprias conclusões.

- Finalmente, né? - Lamar está no saguão, conversando com Krystian, quando nos vê. - Estamos esperando por mais de quarenta minutos.

- Nos perdemos - Noah responde.

- Espera. Vocês vieram juntos? - Krystian nos observa assustado, com os olhos arregalados, apontando para nós dois. - No mesmo carro?

- Sim - ele responde antes de mim. - Bailey teve o carro rebocado, então Josh me deu carona.

Krystian e Lamar ficam nos olhando por alguns segundos, tentando assimilar o suposto acontecimento do século. Dois exagerados.

- Aliás - Noah vira-se para mim. - Obrigado, Josh.

Acabo por menear a cabeça.

- De nada, sem problemas.

Lamar e Krystian decidem intervir na nossa troca de olhares, dizendo que eles já entraram e deram uma olhada no local. Então seguimos para dentro, junto com a moça gentil que nos guia e traz as informações necessárias acerca daqui. Nos entrega pequenos bolinhos de chocolate e glacê e faz um tour por cada canto deste enorme salão. Eu sou muito de analisar, então fico me perguntando onde vai ficar cada coisa.

Ela explica onde tem espaço e estrutura para a parte do buffet, então ocupo-me analisando onde ficaria cada item, enquanto Lamar pensa em detalhes da decoração.

- Krys, ainda temos que conversar sobre o buffet. Tipo, o que vocês mais gostam? - quero saber, já que agora me dei conta disso.

- Eu não acho isso preocupante - ele dá de ombros. - A gente come comida normal.

- O que seria comida normal? - eu realmente vou passar mal se ele falar um "tanto faz" neste momento. Acho que eu vou cair durinho no chão.

- Vou falar com Hina sobre isso.

- Culinária asiática? - sugiro.

- Talvez. Ela anda muito ocupada, mas assim que pudermos, vamos brotar lá no restaurante e conversar com calma sobre esses detalhes - seu jeito despreocupado de estalar os dedos e afastar-se para perguntar onde fica o banheiro acaba por me deixar muito mais preocupado.

Assim que ele se ausenta, me aproximo de Lamar e Noah, que estavam fingindo conversar, mas eu sei que estavam com o nariz na conversa.

- Ok, ele chamou de detalhe a coisa mais básica do buffet: a comida - falo, quase surtando.

- Eu sei que Krystian não se importa com algumas coisas, mas deve ser porque ele pode estar cansado do trabalho. E meio que isso pode ser cansativo para ele, talvez - Noah tenta explicar, fechando a rodinha de fofoca que fazemos. Nossos ombros se encontram, mas nenhum de nós dois se afasta.

- Mas ele só precisa dizer os gostos dele, qual o cansaço disso? Lamar, você está próximo dele e tente fazê-lo abrir os olhos. Eu não vou fazer lámen picante como buffet! - ponho meu indicador no peito dele, para que veja que o assunto é sério.

- Relaxa, Josh. Eu vou dar uma sacudida nele. Está vacilando muito com o próprio casamento - Lamar afasta meu dedo do seu corpo.

- Ei, Josh! - do nada, Krystian surge no meio do caminho para o banheiro. Viro-me para olhá-lo. - Que acha de lámen picante? Eu e Hina amamos!

- Ai, meu Deus... - finjo tombar para trás, crente de que Lamar me seguraria, mas na verdade são outros braços que me seguram. Escuto um pouco da sua risada tímida enquanto ele me levanta. E, quando me volto para checar quem é, noto Noah disfarçar um sorriso. - Foi mal, era pra ser em Lamar.

- Tá ok - ele dá de ombros, como se isso não fosse tão importante assim para ele ligar.

- Depois a gente conversa, Krys - aviso. Ele concorda e volta ao banheiro.

Então eu, Lamar e Noah trocamos olhares. Eu deixo claro que não vou tocar num mísero pacote de lámen, eu tenho aversão a essa coisa. Noah disfarça o sorriso. Lamar finge assustar-se com minhas ameaças. Eu. Não. Vou. Fazer. Lámen. Eu vou gritar e brigar, mas não faço.

Agora entendo Bailey: precisamos fazer esse casamento com o nosso bom gosto, porque se depender dos noivos...

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOù les histoires vivent. Découvrez maintenant