eu sei que você me detesta

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Comemos comidas gregas num dos restaurantes da minha lista de restaurantes para visitar. Eu tinha montado há duas semanas atrás, após muita pesquisa e leitura de blogs. A maioria das informações estão em inglês, o que facilita muito. E agora que já estamos de volta e de barriga cheia, eu nem tenho tempo de beber uma aguinha, quando a silhueta apressada do filipino sobe as escadas. Eu disfarçadamente o sigo. Parece até que estamos prestes a fazer coisas escondidas. Bem, não é mentira. Mas poderia ser num sentido malicioso.

Eu não sei qual o quarto dele, porque a confusão com Noah mais cedo me deixou aturdido. E depois de quinhentos anos vagando pelo corredor, Bailey surge de uma das portas e faz um sinal para que eu venha. Eu entro rapidamente, daí ele fecha a porta e tranca. Tranca! Para que porra ele vai trancar? Sério, Bailey é muito esquisito.

— Vem cá — ele segue até a sacada, por onde dá para ver a piscina que Noah se afogou e, um pouco mais pro horizonte, a imensidão do mar. — Olha, eu sei que você me detesta, até porquê sou insuportável... Mas deixa isso de lado por um tempo e vamos falar sobre o Noah.

— Por que eu teria de falar sobre Noah com você? — respondo. — Quê que tem ele?

— Bem, você sabe o porquê. Porque vocês tiveram algo, né... — ele se inclina no parapeito. — Nós terminamos. Eu e ele.

— Eu sei — sou honesto. — Escutei no aeroporto.

Bailey vira o rosto para mim. Eu gosto de quando ele não está brincando e eu olho para ele. Parece alguém maduro. E Bailey é bonito. O problema é o que ele fala. Me sinto até o próprio Noah com Lamar.

— Ele surtou na hora — Bailey conta. — Então eu queria falar contigo sobre umas coisas... Porque eu sei que foi por conta de você.

Quê?

— Você tá me culpando pelo fim do seu relacionamento? É isso?

— Não estou te culpando. Foi por conta de você, não dá pra mudar — ele solta um risadinha triste. — Você sabe por que eu e ele começamos a namorar?

Nego com a cabeça e solto um suspiro.

— Foi um dia que eu estava numa boate e encontrei ele lá. Eu estava muito bêbado, ele também. Só que... Noah não tinha só bebido naquela noite — ele engole em seco na sua pausa. — Eu soube depois que ele estava usando anfetamina. Sabe, aquelas pílulas que...

— Eu sei — basicamente peço para que ele prossiga, porque já estou ficando nervoso de antemão. Eu não fazia ideia disso.

— Eu devia ter percebido que Noah não estava tão normal naquela noite, mas eu pensei que fosse a bebida, assim como eu. Aí meio que sem querer a gente ficou. E depois ficamos outras vezes. Tipo, o que a gente teve não era nada sério, entende? Éramos mais amigos do que namorados. Mas eu e Krystian ajudamos ele a parar com esse lance, e a sorte foi que ele só tinha usado poucas vezes. Tentamos ajudar ele com o cigarro, mas... Bem, ele não fuma tanto quanto antes, mas fuma escondido. O que é pior, na verdade — dá de ombros.

— Ele sempre fuma mais escondido.

— Sim. Enfim, a questão é... Eu sei que nada disso é culpa sua, por mais que tenha rolado um bocado de coisa desde que você foi embora... Mas era coisa dele com ele, entende? É como se fosse um estopim para algo que já estava dentro dele. Digo, toda as crises e choros... Não foi você, foi algo dele. Mas ele estava tão triste por conta de você, que colocou isso na frente como causa. E é por isso que fico preocupado com vocês dois... Sabe... Aquele dia do aniversário dele...

— Bailey, eu tenho consciência de que vocês acham que ferrei com tudo. Sim, eu ferrei com tudo. Ferrei tudo mesmo. Só que eu acho que eu já conversei um pouco com o Noah sobre isso e nos entendemos. Eu me sinto muito mal, sabia? Por tudo que aconteceu. Porque eu não poderia estar lá para abraçar ele quando estivesse mal. Eu também não sei o que se passa na cabeça dele. E também acho injusto ficarem me cobrando coisas que...

— Josh... Josh... — Bailey se aproxima de mim e põe a mão em meu ombro. — Relaxe, ok? Não estou colocando culpa em você, eu já falei que não é culpa sua. É algo dele.

— Eu sei, mas eu poderia estar com ele...

— Você tem sua vida e você fez suas escolhas, lindo — fica me olhando por alguns segundos. — Honestamente, você está certo em seguir as coisas que quer fazer e Noah não soube se segurar em relação a você. Não é bem culpa dele. Também não é culpa sua. Só te chamei aqui para dizer o que aconteceu e também falar que ele ainda gosta de você. Porque foi por isso que ele terminou comigo.

Não sei porque, mas de repente eu gosto de Bailey agora? Não que a imagem dele para mim tenha mudado, mas neste minuto, ele está sendo legal. Não sei se a nossa proximidade, sua mão em meu ombro deslizando pelas minhas costas e esse semblante empático. É como se eu pudesse simpatizar com ele por alguns minutos, sem desejar jogar ele da sacada.

— O Noah, ele... — Bailey prossegue.— Ele tinha dito que me traiu. Com você.

Quê?

— Quê? — dou um passo para trás. Pronto, era o que me faltava agora. — Eu nem toquei nele, nem tivemos nada. Eu sou um cuzão às vezes, mas eu nunca que iria desrespeitar o namoro de vocês.

— Não fisicamente. Ele me disse que traição pra ele não é você estar com alguém fisicamente — Bailey cruza os braços, se encostando num balaústre. A brisa noturna nos espanca, mas não sinto frio. — Que a traição dele foi algo mais... Sentimental. Você estar com alguém, mas pensar em estar com outro, querer estar com outro. Isto é, trair os sentimentos que tem pela pessoa com quem está se relacionando.

Quanto mais ele fala, mais fico apressado em sair. Sair daqui e não ouvir mais nada. Não quero saber de nada do Noah, principalmente sobre seu namoro. Não quero ser motivo de rompimento de ninguém, porque eu não vou querer ninguém vindo falar comigo um "eu gosto de você, e aí?" Porque eu tenho a sensação de que ele vai me cobrar coisas outra vez. E eu não quero estar com ele, para depois não querer assumir um namoro nem nada do tipo. Eu ainda não estou me sentindo muito bem para relacionamentos sérios. E sei que essa é uma das minhas características tóxicas. Apenas os fatos.

— Tá, mas... Eu não posso controlar os pensamentos, nem sentimentos do Noah — encolho os ombros. Quero que Bailey seja mais sensato.

— Eu sei disso. Mas eu só quero dizer que eu continuarei sendo o mesmo com ele, então se vocês continuarem onde pararam.... só não quero que você apareça na minha casa jogando pedras, como quase fez ano retrasado — ele lambe os lábios e seus olhos encaram a piscina lá de baixo. — Só tome cuidado dessa vez, tá? Mais cuidado.

Eu travo a mandíbula e fico girando os anéis nos dedos.

— É melhor a gente descer, Bailey. Vão desconfiar de algo.

Ele concorda. Eu saio primeiro e desço primeiro. Noah está deitado de lado num dos sofás, assistindo alguma série ou filme. Ele olha para mim quando passo por ele, mas não fala nada. Sento-me com Lamar e Krystian. E quando Bailey desce e quase se bate com as meninas que estão fazendo tour pela casa, ele me olha e eu olho para ele. Algo que diz: "tome cuidado". E eu digo: eu estou tentando, estou tentando com todas as minhas forças, mas eu não posso controlar o modo como sempre morro com um olhar dele. Não dá pra evitar. E tenho medo de, ao invés de ser eu a meter o soco em você, você que venha descer um soco em mim por, mais uma vez, ferrar com tudo. Então não me cobra isso, tá? Senão eu surto e fujo de novo. E eu ultimamente tenho pensado na América do Sul de novo...

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora