eu vou ler um pouco

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Deslizo os dedos pelas teclas do piano quando Noah aparece-me vestido vindo do andar superior. Senta-se ao meu lado, observando como toco, sentindo a melodia. Faço uma pausa para encará-lo, uma vez que está bem pertinho a mim e ousou pousar o rosto no meu ombro. Engulo em seco porque ele está lindo. Aparenta leve sonolência, daquele tipo que sabe-se que irá dormir em breve, mas que ainda tem um pouco de tempo em pé para fazer mais coisas.

— Depois daqui a gente dorme, ok? — afago seu queixo, podendo sentir um pouco dos pelos crescendo.

— Uhum — concorda com a cabeça. — O ruim é que passamos o dia separados e quando nos vemos estamos cansados...

— É, de fato — volto a encarar as teclas do piano.

Recomeço uma das canções que estive apaixonado quando ainda estava nos primórdios dos meus estudos de piano. Noah gosta, porque acompanha meus dedos sem cessar e acaricia minha nuca. Seu silêncio é como poesia, é saber que ele está bem e feliz. Agora, bem quieto, pequenino, as pernas grudadas e os olhos grandinhos pela curiosidade.

— Espera aí — ele levanta-se de repente e sobe as escadas.

Eu giro o corpo para olhá-lo quando for descer. Estalo os dedos enquanto espero. E ele vem devagar com o bullet journal nas mãos, folheando, procurando algo. Retomo a canção, ainda que ele não tenha sentado ao meu lado outra vez. Sinto quando deixa um beijo no topo da minha cabeça — certamente faz-me errar duas notas — e quando viro-me para vê-lo, já está distante com os olhos nas páginas.

— Eu vou ler um pouco — é o que me diz.

— Eu continuo tocando ou...

— Pode tocar — aproxima-se de mim para acariciar meu cabelo.

Ele limpa a garganta e, puxando meus fios pela raiz, começa:

nas relvas me esticarei,

meus pensamentos em ti

tu era ardente e fez mal

e eu, tirado a astrônomo,

lhe apelidei estrela, o sol ou marte

e queimei-me sem querer

nas relvas me esticarei

meus pensamentos em ti

almejei a paz de um lar tranquilo

ameno, colorido e simplório

e quando eu me sentir bem

quando sentir bem outra vez

quero lembrar de quando não

estive nem um pouco bem

nas relvas me esticarei

meus pensamentos em ti

o corpo pesado,

uma existência sem sentido

e teu sorriso inquilino

que atrasa meu lado

quando tanto preciso

nas relvas me esticarei

meus pensamentos em ti

desenhei saturno e urano

mas nada fez tanto sentido

quanto deitar nas relvas contigo

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedWhere stories live. Discover now