eu não estava muito crente

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- Eu não estava muito crente - ele diz, ao passo que avanço em direção ao balcão.

Olho ao redor, a extensão do interior, cada plantinha, cada jarro, cada flor, cada ornamento. A organização encanta-me, então sorrio ao aproximar meu corpo do balcão.

- Mas aqui estou eu - olho a pequena bagunça que ele fez sobre o balcão de madeira, cheio de materiais de estudo ou ele estava a fazer mais uma das suas colagens no bullet journal. - Estava estudando?

- Quase - responde. Noto seu cabelo penteado de uma maneira diferente hoje, o penteado que costumava fazer antes de ganhar o galo em Paris. - Estava organizando algumas coisas que preciso estudar para a faculdade.

- Oh, uma boa ideia... - evito pôr os olhos no caderno, então fico a passear pelos cantos do ambiente, embora eu não saia do lugar.

Do lado de fora de uma das janelas há uma mini horta suspensa e isso me deixa bestinha bestinha, pois tenho uma no terraço de casa e sou apaixonado demais. A decoração é basicamente madeira e material reciclado, o que põe um ar mais natural. Eu amei tudo isso, amei muito.

- Você vende ecobags também? - viro o rosto na sua direção. Ele está meio inclinado sobre o balcão, não sei porque.

- Sim - e então sorri, mas parece um pouco nervoso.

Dirijo-me calmamente a uma prateleira feita com caixotes de madeira - tão ecológico e minimalista -, onde reside uma porção de ecobags com diferentes artes. Algumas têm ilustrações; outras, frases; as demais, colagens... São majestosas. E eu tenho um fraco por ecobags que não consigo controlar.

- E chá também - Noah aparece ao meu lado, apontando para uma porção de caixinhas que contém sachês e alguns pacotes das folhas.

- Chá e flores, huh? - sorrio para ele, sua retina encharcada pela claridade solar.

- Exato - ele desvia o olhar, tímido.

Eu diria que Noah me parece amável agora. Digo, não é só porque ele está tão bem nesse verde da calça jogger de linho, mas porque tudo em relação a ele está harmonicamente leve e agradável. Sua camisa é de algodão, está com o provável logo da floricultura bordado no peito esquerdo, porém ela parece estar um pouco mais justa do que as camisas que ele costumava vestir. Ou será que ele está com mais músculos? Na verdade, olhando melhor... Sim, é exatamente isso. Eu sempre esqueço disso quando olho. Mas não posso olhar, nem devo. Seria estranho, muito estranho.

- Então... - seria interessante se eu pensasse em algo para falar com ele. Costumava ser mais fácil antes, porque eu não temeria estar sendo invasivo.

Noah mal conhecia minha vida, eu também não gostaria que o fizesse. Quanto mais se encaixa alguém nas suas entranhas, nos seus assuntos, na ardósia da sua construção... Maior será o prejuízo quando essa pessoa se for. E eu compreendo que não foi ele quem foi, eu fui. Fui bem longe, não pensei em desistir de tudo nem por um segundo. Não pensei em trazê-lo comigo nem por um segundo. Almas conseguem amar-se mesmo de longe. Eu contemplo a lua mesmo de longe.

Vez ou outra enxugo as mãos molhadas, puxo as mangas da camisa e subo com um livro ou uma caixa de som para o terraço. A calmaria e brisa da noite acaba por me ninar, eu me entrego quase sempre. É como você acreditar que tudo vai ficar bem, ciente de que não deve desesperar-se em breve. Não obstante, não foi isso que aconteceu. Ambos nos precipitamos, nos desesperamos. Ambos. Ambos. Ambos. Eu não fiz só e preciso explicar isso ao meu subconsciente.

Mesmo assim, cruzo os braços atrás do corpo e giro o tronco na direção de Noah.

- Você está comendo direito? - eu não filtrei bem antes de fazer essa pergunta, então gostaria de voltar cinco segundos, por favor.

Noah estreita os olhos por um mísero segundo, depois os aperta e ri minimamente.

- Digamos que... Sim, eu acho - me responde.

Ele ainda continua com os achismos.

- O que seria considerado "eu acho"? - provoco.

- O que para mim pode ser uma coisa, para você pode não ser... - ele dá de ombros.

... Como o amor.

- É, realmente - tiro os olhos da sua figura alta e esbelta, radiante, brilhante. O sol faz artimanhas com seu rosto.

Ele fica em silêncio, eu também. Passo os olhos pelas ecobags, então analiso a arte de algumas. Noah afasta-se, mas não sei para onde vai. Não está tão desconfortável assim... digo, eu e ele. Eu pensei que iríamos ficar do mesmo jeito para sempre, mas apenas o fato de estarmos em silêncio - não por desconforto ou tensão - diz muitas coisas sobre nós. Um silêncio pacífico. Não sei o que seu silêncio diz, mas o meu diz que senti a falta dele.

Daí agarro algumas ecobags, caminho até o balcão e sorrio para Noah. Ele finge que não estava me observando quando fiquei distraído procurando-as, eu finjo que não percebi isso e ficamos nessa.

- Elas são bonitas, aliás - digo, ligeiramente inclinando meu corpo para frente, checando as ilustrações e colagens nas bolsas.

- Obrigado - ele as dobra com cuidado, em silêncio.

Assim que tiro a carteira do bolso para pagar, eu me recordo do horário. Nossa, eu preciso realmente voltar ao restaurante, ou Lamar ficará olhando-me com cara feia o dia inteiro. E eu quero evitar isso, ainda que não ligue muito. Checo o relógio dourado em meu pulso e quase tenho um ataque do coração ao dar-me conta do exato horário.

- Ahn... Eu tenho que ir agora - digo ao Noah, pegando as três ecobags grudadas na sua mão. - Sério, desculpa. Ah... Pode ficar com o troco. Tchau, foi bom te ver.

Foi bom te ver? Eu sou melhor que isso, eu realmente sou melhor que isso. Mas não me importo se ele achar que praticamente arremessei um punhado de notas sobre o balcão, agarrei as bolsas e saí feito um trovão. Quer dizer, não foi tão rude ou violento assim. Mas o tempo passa rápido e a cozinha deve estar pegando fogo agora. E, como em relação a tudo na vida, eu nunca vou colocar nada nem ninguém frente ao meu trabalho e objetivos.

Sendo assim, aceno ao Noah, desculpando-me pela pressa, e saio sem nem pensar direito.

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora