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   As três últimas semanas passaram voando, e foram embora levando minha animação com elas. Meu corpo já não é mais o mesmo, minhas pernas são pedaços de carnes fracas que sustentam o meu ser cinco quilos mais pesado. - Eu me pesei semana passada em uma farmácia e tive um choque. Eu nunca pensei que a faculdade fosse tão difícil. Sério. Para mim era só uma segunda fase do colegial, onde eu iria estudar só o que gostasse e teria uma melhor amiga para todas as horas. Nenhum dos dois aconteceu. É...estressante. É sufocante. Mas também é prazeroso. E com prazeroso eu falo de mim e os estudos, não da questão sobre a melhor amiga. Até por que não tenho uma.

   A três semanas eu venho tentando conviver com Madelyne Logan, uma pessoa totalmente diferente de mim. E está tudo bem que ela seja, eu seria bem ingênua se achasse que todas as pessoas com quem terei que conviver a partir de agora fossem tão religiosas quanto eu. Mas as vezes as diferenças gritam. E gritam bem alto.

   "Mad" - como ela prefere ser chamada. - é tudo menos religiosa. Ela bebe, xinga o tempo todo, usa aquelas roupas curtas e apertadas e para piorar: ela transa. É, t-r-a-n-s-a. Quase todas as noites, com vários caras diferentes. Longe de mim julgar, é a vida dela, a..."vagina dela''. Mas seria mais confortável para nós duas se ela optasse por um hotel. Incentivos de " Vai não para!" e "E isso, bem aí!" Não são bem as coisas que eu gosto de escutar antes de dormir. Eu estava acostumada a assistir o noticiário todas as noites com o meu pai antes de deitar e agora eu tenho que ouvir pessoas se entregando ao prazer da luxúria bem do meu lado? Definitivamente não é o tipo de provação que eu venho buscando.

   Calço meus sapatos de camurça e pego meu celular antes de sair do quarto. São 23:30 da noite e eu não estou com nem um pouco de sono, apesar do cansaço físico. O medo de Madelyne passar bruscamente pela porta no colo de um desconhecido é o motivo da minha insônia. Como dormir sabendo que a qualquer momento gemidos vão atrapalhar o seu sono que já é extremamente leve? Não há segurança em meu próprio quarto, é como dormir em um acampamento de verão com adolescentes bêbados, sempre esperando o silêncio da noite para transarem como coelhos desgovernados. Tenho vagas lembranças do colegial.

   Tranco bem a porta, dando uma espiada para conferir a fechadura e suspiro, me preparando para descer os três longos e tortuosos degraus da escada até algum local que esteja aberto. No caminho, as reflexões invadem minha cabeça, principalmente as sobre meu pai e Madelyne, duas pessoas tão diferentes, mas que não saem da minha cabeça.

   Meu pai foi peça importante na parte inicial de minha vida, na minha infância, adolescência e o começo da minha vida adulta. Ele me acompanhava em tudo, do seu jeito torto, mas acompanhava. E é o que mais sinto falta: Sua companhia. Suas parábolas bíblicas, nossas orações juntos, as leituras e até os filmes cristãos. Tudo no meu pai é santo, virtuoso de conviver. É esse choque de realidades que me incomoda em Madelyne. Nós não conversamos, não oramos juntas, muito menos assistimos filmes. E a única história que ouvi sair de sua boca foi quando em uma breve conversa na fila do banheiro ela me contou que já tinha chupado um cara dentro do box da Universidade. Nada virtuoso.

   Mas eu não a culpo. Ela é bonita demais, é difícil não repará-la. Talvez seja difícil para os caras resistirem ao seus encantos. Tive uma pequena experiência na festa da minha primeira semana de faculdade, quando ela me encarou bem nos olhos e eu não consegui negar seu pedido para jogar beer pong e muito menos o copo de cerveja em sua mão. Talvez seja isso o que tanto me incomoda nela, além do fato de sermos incompatíveis. O seu poder sobre as pessoas. O quanto seus olhos negros dizem exatamente o que ela quer sem precisar abrir a boca. E então ela te hipnotiza. E você faz justamente o que ela quer.

Parece que eu terei que dobrar minhas orações diárias.

   Enfio meu celular no bolso da calça, antes de seguir a procura de qualquer lugar que tenha alguma luz acesa. A biblioteca é a primeira visão que tenho, o que me deixa aliviada. Nada como um local tranquilo e cercado de livros para se sentir confortável. Um suspiro de alívio escapa por minha boca, e eu sigo para o local a passos rápidos e esperançosos, não demorando muito para chegar, a biblioteca fica a poucos minutos do prédio do nosso quarto. Empurro a porta de vidro transparente e uma sensação de paz invade meu peito quando meus olhos varrem o local quase vazio, ocupado somente por uma mulher sentada em sua mesa perto da porta. Eu a cumprimento com um aceno de cabeça simpático e ela me encara, com um olhar tedioso, apontando para a placa na parede:

HEAVENWhere stories live. Discover now