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- Eu não estou me acabando em nenhuma festa pai, não tem nem uma semana que estou aqui. - bufo irritada, chutando para longe meus sapatos de camurça presenteados por ele. - Não, eu não tenho amigos imprestáveis e bêbados...eu nem tenho amigos aqui ainda pra começo de conversa. - a última pergunta acaba me pegando de surpresa. Ele acha mesmo que em 3 dias frequentando a Universidade eu tenho amigos? Eu não fiz amigos nem em anos de colegial. - Eu também te amo...sim pai, eu rezo todas as noites... não, ainda não estou viciada em wisky barato, e nem ficarei. Ok, ligo para você no fim de semana. Beijo.

E então a ligação é silenciada por mim, depois de longos minutos tentando convencer meu pai de que eu ainda sou a mesma garotinha religiosa do interior do Texas.

   Suspiro profundamente, deixando meu celular apoiado na pequena cômoda ao lado da minha cama de solteiro, tão pequena apesar do quarto enorme. E tem um porquê de ser consideravelmente enorme, ele é ocupado por outra cama de solteiro: A da minha colega de quarto, que curiosamente eu ainda não conheço, mesmo dormindo no quarto a exatos 3 dias.

   Quando finalmente cheguei a Califórnia depois de quase quatros horas de vôo do Texas para cá, eu estava extremamente ansiosa para realizar dois grandes sonhos ligados a minha vida universitária: Conhecer o campus e minha colega de quarto, coisas que os filmes Hollywoodianos romantizaram para mim. Mas tudo o que ganhei foi um quarto preenchido de coisas extravagantes, três gavetas sobrando para por minha roupas e algumas ligações em dias seguidos do meu pai. Ninguém me avisou que o sonho universitário seria tão sem graça de começo. Mas apesar das primeiras frustrações, eu ainda estou realizando o primeiro sonho, o que vem antes dos outros: Fazer a faculdade longe do Texas. E principal longe do meu pai. Eu não tenho muitas reclamações quanto a ele, sério mesmo, ele é o cara por quem eu daria minha vida sem nem pensar, mas como tudo que é concreto no mundo ele tem seus defeitos. - muitos inclusive.

   Primeiro vem a falta de de liberdade em minha própria casa, mesmo tendo 19 anos, o que é quase um pecado. Meu pai é um dos caras conservadores, "A moda antiga", como ele me corrigia sempre. Todas as coisas que ele queria ouvir da minha boca eram como foi meu dia depois de ser rejeitada na escola e qual história bíblica eu estava gostando de ler no momento. - eu sempre tive um favoritismo pela a história de Davi e como ele conseguiu derrubar o cara mais alto que ele com uma pedrinha, me encorajava a apedrejar as outras crianças que eu considerava meus inimigos no colégio, mesmo não sendo essa a moral da história.

   Depois, vem o problema da dependência emocional que nós temos enraizada um no outro depois do abandono da minha mãe, mas esse na verdade é um defeito que é compartilhado comigo. Ela foi embora, e eu nunca soube bem o porquê ela nos deixou. Mas um dia eu voltei da escola com com o joelho ralado por conta educação física e peguei ela enfiando as malas no carro, com o rosto pálido e os olhos quase acinzentados de medo. Eu chamei por seu nome e tudo o que ela fez foi me dar um beijo na testa antes de partir, antes que eu gritasse e me agarrasse em seu vestido implorando para que ficasse. Meu pai e eu voltamos para dentro e ele me deu sorvete, me sentou no sofá e fez um curativo no meu joelho em meio a uma explicação bizarra do porquê nós nunca mais a veríamos. Se não fosse o sorvete de flocos teria sido mais traumatizante do que foi.

   De repente sou tirada de meus devaneios, interrompida pelo o barulho da porta sendo aberta. Me sento rapidamente na beirada da cama, encarando ansiosa para o que seria a imagem de minha colega de quarto. Uma garota alta e magra passa pela porta, fechando-a logo em seguida. Seu cabelo rosa claro logo me chama atenção. Não muito comprido, cortado até abaixo dos ombros. Ela veste uma calça jeans escura e uma camiseta branca estampada, sendo coberta por sua jaqueta de couro com alguns espinhos dourados espalhados. É como olhar uma dessas vocalistas de bandas de rock dos anos 80. A garota passa por mim indo direto para o guarda roupa, abrindo o móvel de madeira, deixando-o aberto para se sentar em sua cama ao lado da minha. Eu desvio o rosto para o lado vazio de sua cama, que logo é ocupado pela jaqueta que ela estava vestida.

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